O PERISCÓPIO DE ALBERTO AGRA (Clerisvaldo B. Chagas. 16.6.2010) Intelectua l e dono de farmácia em Santana do Ipanema, Alberto Nepomuceno A...

O PERISCÓPIO DE ALBERTO AGRA

O PERISCÓPIO DE ALBERTO AGRA
(Clerisvaldo B. Chagas. 16.6.2010)

Intelectual e dono de farmácia em Santana do Ipanema, Alberto Nepomuceno Agra, foi tema algumas vezes das nossas crônicas. Apesar da respeitável idade, Alberto continua trabalhando normalmente em seu ponto comercial, um dos mais antigos de Santana. Respeitado por seus alunos no Ginásio Santana, onde foi diretor e professor, também impunha medo aos bagunceiros por sua austeridade a toda prova. Alberto foi ainda herói de guerra nos campos da Itália e possui atualmente museu particular onde pode com segurança expor seus objetos. Além disso, o ex-professor, após virar fazendeiro no serrote Pintado, fez da sua propriedade uma reserva não oficial de proteção a flora e a fauna. Mas, voltando aos tempos ginasianos, era para nós, inconcebível, imaginar Alberto Agra, “Seu Alberto”, como o chamávamos, presente na diversão obrigatória de Santana: o banho na corrente ou nos poços do rio Ipanema.
Situado bem pertinho da ponte General Batista Tubino, logo após os longos quintais das casas de comércio, o poço dos Homens recebia adultos e adolescentes. No apogeu das suas glórias, não havia ainda as casas próximas da margem direita do rio. Apenas mato, estradas carroçáveis e veredas cortavam os terrenos que se transformaram em Bairro Domingos Acácio. Dezenas de outras brincadeiras eram praticadas sobre as pedras lisas do poço, além da principal que era simplesmente gozar os prazeres dos mergulhos e da natação. Em uma dessas brincadeiras estava o companheiro Zé Lima (citado várias vezes neste espaço) que nadava muito bem e de forma estranha. Apenas a cabeça aflorava e saía cortando as águas como se não possuísse corpo algum. Em uma dessas descontraídas diversões, outro colega nosso iria mergulhar com um canudo. A intenção era deixar parte da peça fora d’água, simulando um submarino. Ouvimos o grito: “Zé Lima, olhecomo se usa um microscópio!” Após a sua demonstração, eis que, para surpresa nossa, estava o professor Alberto Agra em cima das pedras, em pé, braços cruzados. E mesmo naquele improvável lugar, o velho mestre dava lições: “Microscópio não, fulano, periscópio”. Fazer o quê? Ficar envergonhado era o mínimo.
Hoje em dia, após décadas e décadas que passaram rapidamente, ainda nos deparamos com a velha fórmula das administrações públicas. Aquela em que a gestora só olha para os brincos dourados que balançam no espelho; aquela em o gestor só espia a barriga proeminente da prosperidade particular. Homens e mulheres ainda não compreenderam o sentido do cargo público, nem pelos encarnados, nem pelos desencarnados. O livro da sabedoria não é lido, nem nos templos nem nos lares. E quando é consultado em minúsculos trechos, é em lugares onde o terno, o vestido, os sapatos, a presença física, falam mais alto do que as letras que vociferam em vão. Essa insensibilidade aos reclamos do povo, não é privilégio de nenhum município, de nenhum estado, de nenhuma região brasileira. Parece uma surdez generalizada que Deus colocou nos maus para que eles cumpram a sina de angustiar bem muito, assim como foi enviado Nabucodonosor. Ah, se eles soubessem o que os esperam do outro lado! É muito difícil retirar a taioca do açúcar. Eles preferem usar o microscópio individual que foca nos cifrões, ao aparelho que mostra o clamor dos desesperados, assim como O PERISCÓPIO DE ALBERTO AGRA.




TAPAGEM DE CASA (Clerisvaldo B. Chagas. 15.6.2010) A casa de taipa é amplamente conhecida no Brasil inteiro, de norte a sul, de leste a oes...

TAPAGEM DE CASA

TAPAGEM DE CASA
(Clerisvaldo B. Chagas. 15.6.2010)
A casa de taipa é amplamente conhecida no Brasil inteiro, de norte a sul, de leste a oeste. Encontram-se casas desse tipo nos sertões, nos agrestes, no litoral. É de taipa a casa do vaqueiro, do pescador, do tirador de coco e de muitos outros profissionais. O barro ou argila das mais variadas cores, é material fácil, farto e barato que permitiu aos índios construções de suas malocas. Mas também existe cidade no Brasil quase toda construída com barro e varas retiradas do próprio ambiente. Nas cinco regiões brasileiras deve haver algum tipo de ritual ao se construir uma dessas moradias. No romance “Curral Novo”, do escritor palmeirense Adalberon Cavalcante Lins, acontece uma famosa tapagem de casa, motivo de imensa satisfação de um dos seus personagens, “sargento Anacleto”. Geralmente o futuro dono da casa constroi em mutirão, pagando bebida e tira-gosto para a vizinhança e até mesmo para convidados vindos de muito distante. No caso do sargento Anacleto, este dizia que andava léguas para brincar num ato de tapagem. O ponto mais interessante é quando os homens, ao ritmo de samba ou pagode, vão mexendo e pilando o barro com os pés, seguindo a voz de um tirador de coco, pandeiro e ganzá. A cachaça parece não ter fim.
Como eu e o amigo Zé Lima, tínhamos “Curral Novo” decorado, frase por frase, palavra por palavra, vírgula por vírgula, vez em quando comentávamos o romance, desatando belas gargalhadas. E foi, então, que surgiu um boato de que iria haver uma tapagem de casa, durante a noite, lá no Rabo da Gata (toda cidade tem o rabo da gata) bem pertinho da casa de Sulino Preto, o homem que corria bicho, segundo o povo. Combinamos olhar de perto como seria aquele negócio que tanto entusiasmara o sargento. Com as primeiras sombras da noite, vadeamos o rio Ipanema, subimos pelo corredor de aveloz de Marinho Rodrigues e fomos sair no alto do Cachimbo Eterno. Da estrada que leva até Olho d’Água das Flores, em diante, fomos guiados pelo clarão de uma fogueira e pelos sons de pandeiro que furavam a noite. Chegamos até o lugar da brincadeira e já vimos à casa toda levantada com varas, aguardando a argila entre os quadrados vazios da madeira. No terreiro, cinco a seis homens pisavam o barro ao som de um pandeiro tocado por uma mulher alta, morena, cigarro na boca, completamente desinibida. Tratava-se da conhecidíssima Expedita Biu, de família desmantelada de tudo, em Santana do Ipanema. Povo que comia gatos desentupia fossas, limpava vísceras no matadouro, banalizava incestos. Calculamos que naquela goela já havia descido mais de uma garrafa da branquinha. Em comparação com o romance, o ambiente era diferente, pois até namorada apareceu para o sargento Anacleto. Contemplamos o que foi possível e retornamos à “Esquina do Pecado”, o nosso QG. Foi a primeira e a última tapagem de casa que vi de verdade. Agora o governo está combatendo casa de taipa, construindo tudo em alvenaria. Parte do folclore nordestino vai sumindo pela chaminé do progresso. E, como diria talvez, o saudoso mestre folclorista Pedro Teixeira, de Alagoas: “É um trupé da peste, essa tal TAPAGEM DE CASA”.

SANTO ANTONIO (Clerisvaldo B. Chagas. 14.6.2010) Entre os constantes foguetórios que espocam sob o céu noturno de Santana do Ipanema, os so...

SANTO ANTONIO

SANTO ANTONIO
(Clerisvaldo B. Chagas. 14.6.2010)
Entre os constantes foguetórios que espocam sob o céu noturno de Santana do Ipanema, os sons dos forrós que descem do Alto dos Negros e a fina chuva que tapia o inverno, vou lembrando Santo Antonio; o santo preferido da minha mãe Helena Braga das Chagas, a quem ela tanto recorria. A amizade era tão grande entre a minha mãe e Santo Antonio, que ele veio levá-la no seu exato dia quando Helena completava seus 63 anos de idade.
Santo Antonio é considerado o protetor dos pobres, aquele que auxilia nos objetos e pessoas perdidas. Se bem que as pessoas tenham mais conhecimentos dos milagres a ele atribuídos em questões de namoros e casamentos, nenhum outro santo mostra-se mais amigo a quem firma com ele seus compromissos de fé. O seu nome de batismo era Fernando e pertencia a tradicional família do seu país, tendo nascido em Lisboa. Resolveu entrar na Ordem de Santo Agostinho e desde cedo mostrou ser uma pessoa muito culta e dedicada aos estudos. Entretanto, Fernando, admirado pelo entusiasmo de outros jovens religiosos da Ordem Franciscana ─ e depois pelos seus martírios em Marrocos (norte da África) ─ resolveu seguir o mesmo caminho daqueles jovens. Foi assim que ingressou na Ordem Franciscana, adotando o nome de Antonio, em homenagem ao santo que ele admirava chamado Santo Antão. Também chegou a embarcar para o Marrocos, mesmo sabendo que os rapazes religiosos não retornavam vivos daquele lugar. Mas, pelos desígnios de Deus, Antonio terminou sendo desviado para outras missões e, em uma delas, conheceu aquele que seria chamado de São Francisco, o homem que protegia e falava com os animais. Santo Antonio, além de sua sabedoria excelsa nas coisas sagradas, ficou também conhecido como grande orador. Foi um homem chamado por Deus ainda muito cedo, em plena juventude dos seus 36 anos de idade, no dia 13 de junho de 1231. Faleceu por questão de hidropisia a caminho de Pádua. Sobre o seu túmulo foi construída uma basílica em sua homenagem. Santo Antonio tornou-se santo universal, sendo o mais popular do Brasil.
Inúmeras brincadeiras são feitas com Santo Antonio, notadamente no Nordeste brasileiro, onde, sem dúvida nenhuma, Antonio arrebanha multidões de seguidores espalhados no cotidiano e na alegria dos festejos juninos. Conhecido como “santo casamenteiro”, tem provado milhões de vezes à eficácia dos apelos ao seu nome quando o assunto é amor. Santo Antonio está ricamente ilustrado no histórico das moças casadoiras e nas infinitas simpatias folclóricas do assunto. Além das fogueiras e todos os outros aparatos e tradições do seu dia, ainda existe o “pãozinho de Santo Antonio”, quando os padres distribuem entre os fiéis da missa do seu dia. O pãozinho deve ser guardado na vasilha da farinha, em casa, para que nunca faltem alimentos naquela residência. Muitíssimo ainda se pode falar sobre esse santo amigo que dizem ser o único a falar diretamente com Deus. Essa é a homenagem que faço ao grande santo de Helena Braga, heroína educacional de Santana, no dia da passagem de ambos. Experimente ser devoto de SANTO ANTONIO.