EMPRESTAR LIVROS (Clerisvaldo B. Chagas, 14 de setembro de 2010)      Uma coisa prazerosa é emprestar livros. É prazerosa porque estamos aju...

EMPRESTAR LIVROS

EMPRESTAR LIVROS
(Clerisvaldo B. Chagas, 14 de setembro de 2010)
     Uma coisa prazerosa é emprestar livros. É prazerosa porque estamos ajudando a divulgar conhecimentos, educando, conduzindo o outro para caminhos novos e benfazejos. Da mesma maneira, amigos nos emprestam livros e vamos trocando impressões daquele tema que por certo puxam outros, formando um relacionamento sadio e elevado. Quanto custa um bom livro? Um bom livro não tem preço. Uma fonte de divertimento, sabedoria que acalma, faz refletir e incentiva ao bem, de fato não tem preço. Lembro que muitas vezes enchi a mala do meu carro de livros para fazer doações. Servi tanto a coletividades urbanas quanto rurais com muitos livros de diversos títulos. Lembro até que uma aluna me convidou para ir a sua casa me mostrar um amplo espaço onde morava, porém, de uma pobreza extrema. A sua intenção, contudo, era fundar uma biblioteca ali para servir aos estudantes da sua rua. Deixei muitos livros também em sua residência. E o que não se faz por um bom livro? Durante a organização de uma biblioteca em certa escola, chegou um livro velho cujo dono o tinha jogado ao lixo. A esposa trouxera junto com outros para formar a biblioteca. Descobrindo o seu valor antes do cadastro, propus e foi aceita a oferta de vinte livros em troca daquele único. Assim fiquei com o livro raro “Água do Panema”, romance do escritor santanense Oscar Silva.
     Nessa movimentação cultural e salutar, sempre existem também aqueles que cultivam hábitos não recomendáveis. Levar e não devolver o empréstimo. A boa vontade de quem empresta até um simples livreto é tanta que nem sequer fica anotado. Pois o elemento leva o livro e esquece-se de devolver. Perdi muitos assim, verdadeiras preciosidades que desfalcaram a minha estante. (Água do Panema foi um deles). Existe também aquele que gosta tanto do livro que quando você lembra e cobra, ele inventa que perdeu e oferece outro diferente como indenização. O dono das coleções vai ficando mais esperto com esse tipo de favor sem responsabilidade. É certo que é uma coisa, aparentemente insignificante, mas quem tem seus compêndios é como se tivesse ouro. Todos merecem a leitura, mas levar e não trazer de volta faz cismar o dono das relíquias. Certa feita, durante o recreio em determinada escola, fiz inocentemente a propaganda de um livro que ninguém sabia que valia alguma coisa. Estava lá ocupando um lugarzinho esquecido na estante. No dia seguinte, fui procurá-lo novamente para mostrá-lo a meus alunos. O volume havia sido descaradamente roubado. Suspeito havia, mas como provar? “Geografia da Fome”, de Josué de Castro, deve estar até hoje como troféu desse alguém que nunca teve princípios. Entre os chamados pelo povo de adágio, ditado, máxima, dito, provérbio, frase feita, sabedoria popular e outras denominações, estão os versos:

“Quem empresta
Não presta
Triste do livro
Que se empresta”.

Você estar vendo, nobre leitor (a), que a estrofe não é nenhuma excelência, mas a sabedoria popular quase sempre transborda verdade. E aproveitando o ditado da hora, é muito complicado EMPRESTAR LIVROS.

MOÇA-BRANCA (Clerisvaldo B. Chagas, 13 de setembro de 2010)      No tempo do coronelismo, a força predominante era a da Guarda Nacional, cr...

MOÇA-BRANCA

MOÇA-BRANCA
(Clerisvaldo B. Chagas, 13 de setembro de 2010)
     No tempo do coronelismo, a força predominante era a da Guarda Nacional, criada pelo desespero e sede de poder do padre Diogo Feijó. Desconfiado das Forças Armadas, Diogo organizou suas próprias forças em todo território nacional, sendo no Nordeste com os fazendeiros e suas cabroeiras. Em tempos de eleições, raras vezes o candidato governista perdia. Os fazendeiros mandavam seus capangas piquetar às estradas e só passavam eleitores da situação, imediatamente identificados. Resistir significava apanhar ou virar defunto no retorno a casa. Após essa fase maior da truculência, o bacamarte foi substituído pela outra face do coronel que era a da simpatia envernizada. Ao invés da presença ostensiva da carabina, os donos do “gado” resolviam agradar o eleitor com presentes e almoço ou na casa-grande ou em casas de amigos nas vilas e cidades. O prestígio do coronel era traduzido em número de bois abatidos, fato que virava festa onde o matuto comia até tinir a barriga. Para as mulheres, os coronéis chegavam com vestidos, calçados e sombrinhas. Os homens ganhavam chapéu, botinas e, às vezes, liforme completo. Com o controle flexível sobre os votos, por parte dos mandantes, o eleitor pelintra comia e arranjava mais presentes nas casas de outros candidatos. A prática de fornecer alimentos e presentes aos eleitores também acabou sendo proibida por lei. Essa lei, entretanto, não foi cumprida imediatamente. A multidão que se formava defronte a residência indicativa do cheiro de boi na panela, ainda levou certo tempo para se acostumar. Os coronéis que já haviam usado os dois métodos de conquista partiram, então, para o terceiro modo, o que perdura até os tempos presentes: dinheiro vivo na mão. Até os últimos dias das urnas convencionais, um ditado ainda vagava nos lábios dos eleitores mais antigos, partidários eternos da situação: “Governo é governo”.
    A prática da compra de votos com dinheiro vivo é, sem dúvida, a mais eficaz, mesmo subtraindo os calotes levados pelos compradores. Essa terceira experiência foi dividida em duas partes. Na primeira, o ato da compra era realizado às escondidas e amparado pelas sombras das madrugadas. Agora, na segunda parte, tudo é feito às claras, em qualquer lugar, a qualquer hora. A pobreza e muitos cabras de peia recebem no mercado de carne, na feira das galinhas, nos pontos de carroças... E o que não falta no presente é testemunha. Quando um distribui de cinquenta, outro distribui de cem. E quando as autoridades são coniventes, dizem, recebem de maços. Esses costumes estão arraigados nas cidades, vilas, povoados e sítios do interior do Nordeste. Mas falam que também acontecem nas capitais e mesmo nos grandes centros de São Paulo e do Rio de Janeiro. Vai surgindo assim um novo tipo de democracia, material farto para os sociólogos e suas teses nacionais. Finalmente, cada freguês vai fazendo os cálculos da sua botada nos candidatos. Para a mãe cheia de filhos pequenos, a azuladinha dá para o leite da semana; fazer o quê! E para a felicidade do “pé na cova” da esquina (que também se diz filho de Deus) serve para deferir pelo menos cinquenta tubões balanceados, cheirosos e amaciantes da tão famigerada MOÇA-BRANCA.



MORENO FECHA O CANGAÇO (Clerisvaldo B. Chagas, 10 de setembro de 2010)      O ciclo do cangaço com o bando mais famoso de todos, o de Virgu...

MORENO FECHA O CANGAÇO

MORENO FECHA O CANGAÇO
(Clerisvaldo B. Chagas, 10 de setembro de 2010)
     O ciclo do cangaço com o bando mais famoso de todos, o de Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, acaba de fechar com a morte do seu último homem. Trata-se do ex-barbeiro, caseiro, Antonio Inácio da Silva que, para viver em paz, adotou o novo nome de José Antonio Souto. Antonio era pernambucano e logo cedo foi morar em Brejo Santo, terras cearenses, onde sempre cultivou o desejo de ser integrante da polícia militar. Foi rejeitado pelo menos por três vezes, inclusive acusado de roubar um carneiro, apanhou da polícia e chegou a ser preso. Ao sair da cadeia matou o verdadeiro ladrão e fugiu para Pernambuco e Alagoas deixando rastros de mortes por onde passava. Em Alagoas, já chegou com fama de valente. Trabalhando em uma fazenda contra ataques de cangaceiros, fez amizade com o cunhado de Lampião, Virgínio ─ que fazia parte do estado-maior do bando ─ e a ele se integrou. Como Virgulino dividia o bando em subgrupos, cada um deles em média com seis homens e um chefete entre os de confiança, Antonio logo chefiava um desses subgrupos com o nome de Moreno. De cognome simpático e de fácil memorização, dizem, porém, que Moreno era um dos mais cruéis cabras de Virgulino. Na época em que mulher já era permitida no bando, Moreno tinha como companheira, Jovina Maria da Conceição, apelidada Durvinha, tendo participado de todas as ações do cangaço da década de 30.
     Após a tragédia de Angicos, em 1938, Moreno e Durvinha sobreviveram ainda até 1940 como cangaceiros. O casal fugiu dos sertões nordestinos para Minas Gerais, deixando um filho nas mãos de um padre. Combinaram nunca contarem a verdade a ninguém e assim viveram em Minas como pessoas comuns e nem a família desconfiava. Vivendo ali por setenta anos, o segredo só veio à tona em 2005. Durvinha faleceu em 2008 aos noventa e três anos de idade e sempre teve medo de ser degolada pelas forças volantes das caatingas. Moreno, aos cem anos, faleceu segunda-feira passada em Belo Horizonte (6 de setembro de 2010 ) e foi sepultado no dia sete no Cemitério da Saudade. Sua vida revelada deu motivos para fundação de museu, pesquisa, livro, entrevistas e filme.
     Fechado esse ciclo do cangaço com o ex-cabra Moreno, nada impede que a Literatura cangaceira continue, capenga ou não. No meio de alguns pesquisadores sérios, proliferam tantos palestrantes mentirosos, inocentes e birutas que faz gosto. E Lampião vai virando o que não foi, rolando em palavras de entusiasmos, em papéis azedos, em mentiras deslavadas. Nem sabemos dizer se as histórias do cangaceirismo ainda atraem pessoas. O que não falta é “doutor” no assunto, muito mais do que o falecido Moreno e a companheira Durvinha que conviveram com o chefão em carne e osso. Dizia Antonio em Belo Horizonte que matara vinte e uma pessoas. Os pesquisadores calculam em muito mais. Quer pesquisar? Dane-se no mundo e pesquise. Pode ser até que você encontre outro cangaceiro mais velho do que Antonio. Se não encontrar, invente. Pelo menos para a maioria dos que se dedicam a isso, MORENO FECHA O CANGAÇO.