MOÇA-BRANCA
(Clerisvaldo B. Chagas, 13 de setembro de 2010)
No tempo do coronelismo, a força predominante era a da Guarda Nacional, criada pelo desespero e sede de poder do padre Diogo Feijó. Desconfiado das Forças Armadas, Diogo organizou suas próprias forças em todo território nacional, sendo no Nordeste com os fazendeiros e suas cabroeiras. Em tempos de eleições, raras vezes o candidato governista perdia. Os fazendeiros mandavam seus capangas piquetar às estradas e só passavam eleitores da situação, imediatamente identificados. Resistir significava apanhar ou virar defunto no retorno a casa. Após essa fase maior da truculência, o bacamarte foi substituído pela outra face do coronel que era a da simpatia envernizada. Ao invés da presença ostensiva da carabina, os donos do “gado” resolviam agradar o eleitor com presentes e almoço ou na casa-grande ou em casas de amigos nas vilas e cidades. O prestígio do coronel era traduzido em número de bois abatidos, fato que virava festa onde o matuto comia até tinir a barriga. Para as mulheres, os coronéis chegavam com vestidos, calçados e sombrinhas. Os homens ganhavam chapéu, botinas e, às vezes, liforme completo. Com o controle flexível sobre os votos, por parte dos mandantes, o eleitor pelintra comia e arranjava mais presentes nas casas de outros candidatos. A prática de fornecer alimentos e presentes aos eleitores também acabou sendo proibida por lei. Essa lei, entretanto, não foi cumprida imediatamente. A multidão que se formava defronte a residência indicativa do cheiro de boi na panela, ainda levou certo tempo para se acostumar. Os coronéis que já haviam usado os dois métodos de conquista partiram, então, para o terceiro modo, o que perdura até os tempos presentes: dinheiro vivo na mão. Até os últimos dias das urnas convencionais, um ditado ainda vagava nos lábios dos eleitores mais antigos, partidários eternos da situação: “Governo é governo”.
A prática da compra de votos com dinheiro vivo é, sem dúvida, a mais eficaz, mesmo subtraindo os calotes levados pelos compradores. Essa terceira experiência foi dividida em duas partes. Na primeira, o ato da compra era realizado às escondidas e amparado pelas sombras das madrugadas. Agora, na segunda parte, tudo é feito às claras, em qualquer lugar, a qualquer hora. A pobreza e muitos cabras de peia recebem no mercado de carne, na feira das galinhas, nos pontos de carroças... E o que não falta no presente é testemunha. Quando um distribui de cinquenta, outro distribui de cem. E quando as autoridades são coniventes, dizem, recebem de maços. Esses costumes estão arraigados nas cidades, vilas, povoados e sítios do interior do Nordeste. Mas falam que também acontecem nas capitais e mesmo nos grandes centros de São Paulo e do Rio de Janeiro. Vai surgindo assim um novo tipo de democracia, material farto para os sociólogos e suas teses nacionais. Finalmente, cada freguês vai fazendo os cálculos da sua botada nos candidatos. Para a mãe cheia de filhos pequenos, a azuladinha dá para o leite da semana; fazer o quê! E para a felicidade do “pé na cova” da esquina (que também se diz filho de Deus) serve para deferir pelo menos cinquenta tubões balanceados, cheirosos e amaciantes da tão famigerada MOÇA-BRANCA.
Link para essa postagem
https://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2010/09/moca-branca.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário