O TESTE DE SEU IZAÍAS Clerisvaldo B. Chagas, 22 de outubro de 2014 Crônica Nº 1.287 Conheci muito bem Seu Izaías. Comerciante...

O TESTE DE SEU IZAÍAS



O TESTE DE SEU IZAÍAS
Clerisvaldo B. Chagas, 22 de outubro de 2014
Crônica Nº 1.287

Conheci muito bem Seu Izaías. Comerciante com armarinho e padaria no Largo da Feira, pertinho da loja de tecidos de meu pai. Alto, corpulento e arrogante o que Izaías gostava mesmo era dar esporros. Casado com a professora Hilda, muito educada ─ amiga e colega da minha mãe Helena Braga ─ morava o homem na Avenida Coronel Lucena. Muitas pequenas histórias se contavam sobre Seu Izaías, algumas publicadas outras não.
Sendo também pequeno fazendeiro, Izaías criava dois jumentos pega, enormes. Em uma parte da manhã os dois animais eram levados para a calçada da padaria, onde os marroques (pães duros, sobra do dia anterior) eram colocados num balaio de cipó e servidos aos jumentos, como ração. Era interessante o roc-roc, ruído dos dentes asininos nos pães duros.  
Izaías havia sido delegado civil. Imaginem! Mas, entre tantas historietas interessantes e hilárias do comerciante, contou-nos um rapaz que na época era balconista do armarinho-padaria que certa feita chegara por ali um caixeiro-viajante. E como todo vendedor, abriu o seu mostruário e pôs a deitar conhecimento de ciências, tentando impressionar o cliente e demais pessoas. Nesse momento o proprietário estava sem paciência. E sem paciência Izaías era um verdadeiro perigo verbal, pronto a explodir. Mas o caixeiro-viajante continua seu blá-blá-blá, direto e sem freios na máquina da verborreia. Nesse instante, para e faz a pergunta fatal ao seu cliente: “O senhor sabe Seu Izaías, que o homem é um animal elétrico?” E o comerciante, rapidamente pegou a deixa há muito aguardada: “Só acredito se você meter uma lâmpada no seu c... e ela acender!”.
Foi o bastante para que o caixeiro deixasse rapidamente o armarinho-padaria e abandonasse a praça de Santana do Ipanema.
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Nessas campanhas políticas quando o candidato sobe aos palanques, não passa de caixeiro-viajante ilusionista. A demagogia provoca náuseas, vontade de vômito fácil e sensação de impunidade moral. “Vocês acreditam em mim?” indaga o safado. E o que vem à cabeça como resposta, sem dúvida alguma, é o teste imoral de Seu Izaías.


RIACHO, RUAS, LITERATURA Clerisvaldo B. Chagas, 21 de outubro de 2014 Crônica Nº 1.286 Manezinho Chagas e a Rua Antonio Tavare...

RIACHO, RUAS, LITERATURA



RIACHO, RUAS, LITERATURA
Clerisvaldo B. Chagas, 21 de outubro de 2014
Crônica Nº 1.286

Manezinho Chagas e a Rua Antonio Tavares. Fotos (Clerisvaldo).
E vêm as lembranças todas de uma vez. Vejo o riacho Salgadinho, seco e sumido, no Bairro Floresta. Revejo o mesmo Salgadinho, forte, pujante, absoluto lambendo os quintais, interrompendo a estrada da serra Aguda, levando o rolo d’água valente para o seu patrão, rio Ipanema.
E contemplo na tela grande da mente a minha Rua Antônio Tavares, a primeira de Santana. Seu Otávio magro, um homem enorme, com uma faca enorme, deslizando a arma nas mantas de carne de sol. Diante de si o cocho enorme da salgadeira. A faca de Seu Otávio magro parecia cortar manteiga de tão afiada. Seu Otávio vendia carne, Seu Antônio vendia doces, Seu José Camilo vendia farinha, Seu Manezinho Chagas vendia tecidos, Dona Zifina vendia candeeiros, Seu Carrito vendia a bodega... É... Seu Carrito vendia a bodega, diz a mente repisando lembranças.
Surge Seu Otávio Marchante com a peixeira no coldre. Torcedor do time da cidade. Torcedor número um, correndo às beiradas do Estádio Arnon de Melo com seus gritos robustos: “Bola rasteira, menino! Aí é Joãozinho”.
Seu Joaquim, o soldado que não prendia ninguém. Alfredo Forte fazendo calçados, Pedro Porqueiro negociando suínos e Antônio Marceneiro, sem camisa, arrastando a plana. Seu Tancredo tem caminhão, Seu Guilherme é merceeiro, Seu Né fumando cigarro constantemente, cuba terras. Soldado Leôncio fala grosso, Júlio Pisunha faz colchão de junco. Firmino Carreiro, Manezinho Quiliu com as casas cheias de moças. Eu hoje, espiritualmente falando com Zefinha de Seu Né, doce e amiga como sempre. Severino vende tecidos, Dona Alice chama pra “armoçar”, Dona Ester lê cordel para nós.
Os jornais me entediam, as redes sociais ficam nojentas com propagandas abjetas, não quero mais escrever... Mas a brisa sopra a memória e sopra e sopra e me arrasta para o teclado. E vejo Chico Assis namorando, professora Adercina lendo jornal, Ambrosina engomando, Elias batendo sola...
Sei não... Por que tenho que escrever isso nessa Literatura minação que às vezes seca como o Salgadinho, às vezes bota cheias enormes como esse mesmo riacho.


LAMPIÃO, OS BODES E A MÁQUINA DE COSTURA Clerisvaldo B. Chagas, 20 de outubro de 2014 Crônica Nº 1.285 Esse trabalho inédito, não ...

LAMPIÃO, OS BODES E A MÁQUINA DE COSTURA


LAMPIÃO, OS BODES E A MÁQUINA DE COSTURA
Clerisvaldo B. Chagas, 20 de outubro de 2014
Crônica Nº 1.285
Esse trabalho inédito, não pode ser copiado sem seguir as normas da ABNT e nem plágio no todo ou em parte.

Disse João Bezerra, após Angicos, que havia ficado, entre outras coisas, com o lenço que estava no pescoço de Lampião e a máquina de costura de Maria Bonita. Vejamos:
No dia 21 de julho de 1938, Lampião amanheceu na grota dos Angicos e acampou com mais de quarenta homens no leito do riacho seco Ouro Fino, também chamado Angico. Ele e seus cabras, até o dia 27, entre os de comer e de levar, haviam abatido 36 bodes na fazenda da família da viúva de Cândido Rodrigues Rosa, dona Guilhermina. Contava os caprinos pela quantidade de couro acumulada.
No dia 26, à tardinha, enquanto Luiz Pedro cortava pano para fazer roupa e bornais do recém-chegado José, sobrinho do chefe, Lampião chamou os coiteiros Vicente e Manoel Félix. Mandou-os que fossem à casa de dona Guilhermina (mãe de Pedro de Cândido), do outro lado do morro das Perdidas e margem do riacho Forquilhas buscarem a máquina de costura.
No dia 27, Durval, irmão de Pedro de Cândido, chega ao coito de manhã. Lampião pede que ele venha no outro dia pela manhã para PEGAR A MÁQUINA DE COSTURA DA SUA MÃE, LEVÁ-LA DE VOLTA E RECEBER O PAGAMENTO DO CONSUMO DE CARNES DE BODE.
Na madrugada do dia 28, Lampião foi morto. A família da viúva dona Guilhermina perdeu de receber o dinheiro dos 36 bodes e a devolução da sua máquina de costura que ficou com o, então, tenente João Bezerra.
Lampião morreu devendo os bodes à família dos coiteiros.
Como Bezerra diz que ficou com a máquina de costura de Maria Bonita? Aqui está bem claro: a máquina de costura manual, não era de Maria Bonita que nem costurando estava. A máquina era de dona Guilhermina, não devolvida. O tenente devia saber disso, pois sabia de tudo. Quem da família de Pedro teria coragem de reclamar a máquina de costura? O mais importante era a vida que Pedro de Cândido e seu irmão Durval acabavam de ganhar.
Portanto, supomos que para manter o status de matador, movido pela vaidade camuflada, o tenente João Bezerra tenha apresentado o objeto como sendo da mulher de Virgolino.
Coitada da dona Guilhermina! Quase fica sem dois dos quatro filhos, perde o dinheiro de um rebanho de bodes e ainda por cima sua máquina de costura!
E vá Maria Bonita andar nas caatingas de máquina à cabeça! Tinha graça!
·         Baseado no Livro “Lampião em Alagoas”.
·         Contato com autores: clerisvaldobchagas@hotmail.com