O SORRISO DO JULINHO Clerisvaldo B. Chagas, 28 de novembro de 2022 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2805 Sem perder um...

 

O SORRISO DO JULINHO

Clerisvaldo B. Chagas, 28 de novembro de 2022

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2805


Sem perder um só jogo da copa, o eco das coisas também mexe com a cabeça. Mistura o futebol de hoje com as “peladas” do passado. E por falar nisso, o termo “futebol de várzea”, chegou por aqui vindo dos centros maiores, mas antes, em Santana do Ipanema, era “futebol do meio da rua”, “futebol do Panema”, “futebol de campinho”. E no futebol do Panema, tínhamos nosso herói, muito embora com presença de craque que jogara no Santos de Pelé, mas não era esse o nosso ídolo da bola. Veja como era o procedimento desses jogos não oficiais: Em um desses lugares, começava a chegar gente para jogar, inclusive o dono da bola. Os dois reconhecidos melhores jogadores, encabeçavam a lista e, um caminhava em direção ao outro por cerca de dez metros, colocando um pé na frente do outro e colado a ele. Quando esses dois cabeças chegavam pertinho um dos outro, aquele que cobrisse o pé do amigo, primeiro, seria aquele que daria início a chamada para o seu time.

O primeiro chamava um jogador, o outro chamava outro e assim sucessivamente. No geral, eram chamados dez jogadores de cada lado. Primeiro os melhores e depois os fracos até o refugo para completar os dois times. Depois vinha a escolha do lado e um juiz qualquer que entendesse alguma coisa de futebol, mas quando não aparecia juiz, todos os jogadores eram juízes. Entre esses jogadores, havia o nosso ídolo do futebol no Panema. Era o Julinho, filho do conhecido Pedro Porqueiro. Nunca vimos um rapaz jogar tanta bola. Jogava rindo e driblando. Conseguia driblar no espaço tão mínimo que mal cabia duas pessoas juntas. Dribles curtos, ágeis, sem perder a bola nem o sorriso permanente. Pessoa humilde, filho de matador de porcos, mas que ali no futebol do Panema, parecia em êxtase, como se fosse um verdadeiro imperador do mundo.

Infelizmente os filhos do Senhor Pedro, começaram a criar alguns tipos de problemas na sociedade. Honesto e direito o pai deve ter sofrido muito, com vergonha. A família desapareceu da cidade e as notícias foram rareando até o desparecimento total. Alguém do nosso tempo sabe por anda o Julinho? É vivo, é morto?

Com defeito, sem defeito, era o nosso Pelé que até agora não deixou substituto.

CAMPINHO (CRÉDITO: ALAMY).

 

  O MOMENTO DA EMA Clerisvaldo B. Chagas, 25 de novembro de 2022 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.804 Não existe mais ...

 

O MOMENTO DA EMA

Clerisvaldo B. Chagas, 25 de novembro de 2022

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.804


Não existe mais emas por aqui. Mas, bem que essa ave enorme e que não voa já povoou soberana os nossos sertões. A Rhea americana das canelas grande possui asas somente para equilibrar suas carreiras, quando vítima de predadores. Foi extinta, mas deixou dois lugares como lembranças: Várzea da Ema e Alto da Ema, sítios rurais do nosso município. Sertanejo não gostava muito de comer essa ave, dizendo que “sua carne fazia crescer a bunda”. Antigamente as casas eram caiadas (pintadas) de branco com a cal e um pincel bruto comprido, uma espécie de bucha dura e que era chamado “canela de ema”. O senhor Pedro Baia, ingênuo e folclórico, era um caiador de casas. Quando encerrava sua pintura, deixava sua marca registrada, o desenho de uma ema.

Todos gostavam de Pedro Baia. Mas, não sabemos porque aquele galego que andava com um lenço vermelho no pescoço e uma espingarda 12 a tiracolo, não gostava quando lhes perguntavam pela ema. Sabendo disso, alguns gaiatos indagavam de propósito e, Pedro ia se agastando e perdendo a paciência. Nessa época, como para incentivar uma tragédia, surgiu na praça um pagina musical:

 

A ema gemeu

No tronco do juremá

Será que é nosso amor, moreninha

Que vai se acabar...

 

Pedro Baia já havia apanhado algumas vezes por aí. Os gaiatos, então aproveitaram uma estrofe da música e a parodiavam com o nome de Pedro, para aperreá-lo ainda mais:

 

A ema quando canta

Pedro Baia se levanta

Com medo de apanhar...

Vem morena, vem beijar...

 

Pedro Baia já não estava aguentando e falou assim: “De hoje em diante, quem mexer comigo, eu mato!”. E o primeiro que mexeu com ele, o pintor cumpriu a promessa. Foi para a cadeia, pagou pelo seu crime e quando todos já estavam esquecidos do caso, surgiu Pedro Baia na cidade após cumprir sentença. Demorou pouco e foi morar em Águas Belas. Nunca mais se ouviu falar em Pedro Baia.

Quando o santanense, ainda hoje, ouve a música da ema, de Jacson do Pandeiro, não tem como não a complementar com Pedro Baia da minha terra.

EMA (IMAGEM DE AUTOR NÃO IDENTIFICADO).

 

 

 

 

  A BOLA E O CEMITÉRIO Clerisvaldo B. Chagas, 23 de novembro de 2022 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.803   Esse cli...

 

A BOLA E O CEMITÉRIO

Clerisvaldo B. Chagas, 23 de novembro de 2022

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.803

 



Esse clima de copa, faz lembrar os áureos tempos do Ipanema Atlético Club, em Santana. Os jogos ainda eram realizados com a bola número 5, profissional, chamada “couraça.” Era bola de couro que não sabemos afirmar com certeza se era comprada fora da cidade, até porque havia um sapateiro que já fora jogador do Ipanema e fazia couraça sob encomenda e que era o Gérson Sapateiro. Nesses tempos tão bons do futebol santanense, a bola era uma só em cada jogo. E quando qualquer zagueiro bruto fazia a defesa dando chutaço ignorante, a que a plateia chamava de “balão”, era uma angústia medonha pela sequência do jogo. Isso porque a bola subia, subia que só um balão e caía fora do campo, ou na rua da frente do estádio ou no cemitério contíguo, Santa Sofia.

O estádio Arnon de Mello fora construído justamente vizinho ao cemitério na parte alta e plana do Bairro Camoxinga, por ser um dos poucos lugares da urbe adequado para essa finalidade. Quando a bola caía na rua demorava a chegar. Quando caía além da rua, demorava muito mais e, quando caía no cemitério demorava mais ainda. Era usado algum torcedor que assistia ao jogo em cima do muro entre os dois locais, entrava pelo cemitério galgava a parede e, bem sentado no muro, conseguia assistir ao jogo sem pagar.  Outras vezes era o próprio zelador do cemitério ou um coveiro que fazia esse favor de procurar a bola entre covas e catacumbas, até achá-la. Só então a bola voltava com um chutão ninguém sabe de quem e caía novamente em campo. Era uma vibração!

Com o tempo, as partidas foram acrescentando outras bolas e, a couraça bruta cor de terra foi aos poucos sendo substituída por essas bolas atuais compradas facilmente nas lojas de esportes. Mas era um prazer enorme para o torcedor sem dinheiro que ficava na rua, catar uma bola fruto de balão de zagueiro, principalmente. E com aquele orgulho grande de tocar na “pelota” do jogo, devolvia com outro balão vindo de fora. Já houve partidas que a bola gastou mais de 15 minutos para retornar.

E do lado de fora não era diferente de hoje. Vendedores de tudo na feira que se formava na rua, defronte ao estádio. Petiscos e bebidas tinham êxito assegurado em qualquer partida futebolística.
       Ô Ipanema!

ESTÁDIO ARNON DE MELLO EM 2013 (FOTO: B. CHAGAS).