QUEBRADORES DE PEDRA (Clerisvaldo B. Chagas, 1º de fevereiro de 2011).        Em Santana do Ipanema existe um lugar chamado Lagoa do Junco...

QUEBRADORES DE PEDRA

QUEBRADORES DE PEDRA
(Clerisvaldo B. Chagas, 1º de fevereiro de 2011).

       Em Santana do Ipanema existe um lugar chamado Lagoa do Junco. Um estreito patamar divide o relevo em morro, por trás, e em terreno descoberto acidentado, pela frente. O patamar forma rua de um lado só como se fosse à base do pobre casario distribuidor de mais dois ou três, morro acima, cujo topo também mostra ameaça de futura rua. Para melhor disfarçar a pobreza e o abandono, convencionou-se chamar àquele núcleo de bairro. A maioria dos seus habitantes vive em função dos granitos semeados lá em cima. Sua gente batalhadora na pobreza extrema recebe a denominação de “quebradores de pedra”. Poucas são as pessoas que possuem empregos no centro da cidade. Apenas enfrentam o dedo em riste discriminatório baseado na marginalidade. O sustento único dos seus moradores oscila de acordo com a vontade dos prefeitos de Santana. Uns compram pedras para calçamentos de ruas, assegurando a estabilidade da pobreza. Outros fecham as portas para o Junco, indo comprar a matéria-prima em cidades distantes, rebaixando a pobreza à miséria, nesse lugar dos excluídos.
       Lá na frente, a trezentos, quatrocentos metros, o progresso vai chegando às margens da BR-316. Primeiro a escola superior ESSER; depois o fórum de arquitetura moderna; o batalhão de polícia; o prédio singelo da SEFAZ; uma bonita escola municipal modelo; uma empresa particular de artigos marmóreos... E os terrenos marginais vão sendo ocupados pouco a pouco, esticando a cidade como borracha de peteca para as bandas dos Dois Riachos, de Maceió. O cimo do morro sem nome da Lagoa do Junco, decorado no alto pelo azul profundo, também funciona como excelente mirante para os quatro pontos cardeais. O medo e a falta de serviços especializados, não deixam que pessoas do centro conheçam o mirante, a Geografia do morro, a trajeto rua acima e o modus vivendi dos quebradores de pedras, do povo necessitado da Lagoa do Junco. Alguns poucos líderes do lugar, de maior discernimento, são disputados a peso de ouro nos períodos eleitorais. E como fala a sabedoria popular “casa de ferreiro espeto de pau”, os próprios moradores não usufruem das pedras quebradas por eles.
       Entre o progresso gerador na BR-316 e o fundão temerário da Lagoa do Junco, forma-se o vazio de um futuro incerto, onde o planejar é fantasia, onde a saúde vale não mais de que um simples cabo de marreta. Carros de luxo deslizam pelo asfalto vinte e quatro horas e os ônibus lotados estacionam diante da ESSER. Alunos e mais alunos entram e saem pelas portas escancaradas da UNEAL, procurando assento no país que se desenvolve. E de lá da Lagoa do Junco, da base, da ladeira, do cume, os olhos dos seus habitantes veem pelo dia, lacrimejam pela noite, juntos aos pirilampos, o progresso tão perto e tão longe dos QUEBRADORES DE PEDRA.

IPANEMA, A CENA DO URUBU (Clerisvaldo B. Chagas, 31 de janeiro de 2011).        Abrem-se as cortinas do esporte alagoano. Desfilam as core...

IPANEMA, A CENA DO URUBU

IPANEMA, A CENA DO URUBU
(Clerisvaldo B. Chagas, 31 de janeiro de 2011).

       Abrem-se as cortinas do esporte alagoano. Desfilam as cores da fantasia que deslumbram multidões sedentas de espetáculos. No mundo multicor abrasante, o verde-amarelo pipila com o curto bico do canoro Serinus canarius. Vindo das ilhas Canárias, da Madeira e dos Açores, o canarinho tornou-se uma das aves passeriformes mais queridas e apreciadas do país. Suas penas passaram a representar a bandeira nacional, parecendo um legítimo e inspirador filho do Brasil. Adotado simbolicamente pelo imaginário sertanejo, o canário no diminutivo, passou a fortalecer como mascote os passos do Ipanema Atlético Clube. Ipanema esse que sempre elevou o nome da cidade aos quadrantes do estado de Alagoas. Por uma parte é representante, embaixador, chanceler das terras de Senhora Santa Ana nos mais diversos estádios onde se reúnem os aficionados do reino Bola. Ora ganhando, ora perdendo, vai cumprindo os objetivos pelos quais foi nascido, batizado e crescido. Ele é filho de uma cidade que sempre apreciou o futebol desde os tempos mais longínquos onde a sede pelo esporte só era aplacada com os tiros de couraça nas redes adversárias.
       Para bem mostrar a presença da “Rainha do Sertão” no mapa triangular, o futebol matuto colheu a força extraordinária do operário sofrido do DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra a Seca – onde o suor e o sangue dos cassacos agigantaram as glórias do time do coração. Ipanema, mesclado com a poeira das rodagens e dos catabis sertanejos insolúveis, trazia derrotas e vitórias nos alforjes robustecidos das suas incursões.
       Santana, cidade situada a 220 km de Maceió, sem petróleo, sem turismo, sem canavial e sem indústrias, como pode conservar um time vencedor a altura das suas tradições? O campeonato alagoano de futebol, primeira divisão, é uma oportunidade de ouro para se elevar os nomes das urbes que adquiriram o direito desse torneio. Mas manter um time de futebol profissional com uma folha mínima é tarefa de abnegadas pessoas que merecem todo o respeito de uma imensa região. Despesas com folha de pagamento, obrigações sociais, refeições, farmácias, lavanderia, manutenção do estádio, viagens e tantas outras coisas que dependem dos seus parcos recursos, desestimulam os que não tem amor ao Clube. Existe ajuda sim, mas essas ajudas são poucas para formar um time como todos nós queremos. Portanto, mesmo com as quatro derrotas seguidas e uma vitória magra no Estádio Arnon de Mello, ainda consideramos os dirigentes do time canarinho uns verdadeiros heróis. Pessoas que poderiam estar cuidando da família e descansando em casa, trabalham nessas humilhantes tarefas de arrecadar dinheiro e enfrentar todo tipo de coisas para um pouco de alegria ao povo em vê o Ipanema jogar. A culpa do fracasso, na realidade, não é do time, não é dos dirigentes. A derrota é daqueles que tem obrigação moral de ajudar, por uma série de argumentos, mas ao invés de papel de boto, preferem fazer a CENA DO URUBU.



BARLAVENTO OU SOTA-VENTO (Clerisvaldo B. Chagas, 28 de janeiro de 2011). À memória do jornalista Mendonça Neto.        Geograficamente , b...

BARLAVENTO OU SOTA-VENTO

BARLAVENTO OU SOTA-VENTO
(Clerisvaldo B. Chagas, 28 de janeiro de 2011).
À memória do jornalista Mendonça Neto.

       Geograficamente, barlavento é o lado de uma montanha que recebe o vento. Diz-se que parte da montanha, da serra, da cordilheira, está a barlavento. Quando o vento sopra, então, para aquele lado, forçosamente eleva-se com sua umidade provocando chuvas ou orvalhos. Isso é uma das causas da chamada chuva de relevo. O monte a barlavento está quase sempre verde. A generosidade das águas permite a alegria, o ornamento natural, o refrigério, a receptividade à semente, a louvação ao cosmo. O sota-vento é a parte do morro oposta ao vento. Ao sota-vento, o vento chega seco e ajuda a maltratar o solo e a vida.
       Na política, a ciência de comandar, é semelhante aos fenômenos geográficos. O bom político é acima de tudo um bom caráter. O legítimo representante do povo é uma pessoa constantemente preocupada com o bem-estar da sua gente. Tendo como exemplo um prefeito, a primeira coisa que faz é acercar-se de pessoas decentes e capazes de, com ele, realizarem um trabalho planejado para o beneficiamento geral dos seus munícipes. Atende a todos com urbanidade, discute os problemas com seu povo e os encaminham com boa vontade as soluções. É ocupado, mas não humilha, mantém um diálogo constante com os mais frágeis nas áreas urbana e rural. Não governa para amigos, compadres, parentes, familiares, nem somente para a elite. Governa para todos, procurando eliminar vícios, zelando por uma cidade limpa, ruas livres de entulhos, terrenos baldios abertos, animais à solta, criação de porcos. Vai abrindo novas passagens, becos, ruas, avenidas, dando diretrizes, zelando pelo patrimônio público, valorizando as tradições, fomentando o progresso com emprego e renda. É humilde, amigo, receptivo, sem vacilar na autoridade que lhe foi outorgada. Não anda metido em escândalos e tem a admiração do povo que o elegeu. Mesmo que não faça tudo nas diversas áreas da sua competência, detém o reconhecimento público por todo esforço empregado e bom relacionamento com seus munícipes. Eis um líder. Esse é o prefeito barlavento.
       Como seria então o prefeito sota-vento? É seco. Governa para meia dúzia, preferencialmente para familiares e minoria. Despreza o povo, só atende aos escolhidos, distribui esporros e piadas, acerca-se de bonecos. Acha-se melhor do que os outros, aposta na imortalidade dos encarnados, ilude-se com o prazo de gerência, conduz a humilhação como bandeira. Não tem vínculo às massas. É xingado, odiado por onde passa numa sucessão de pragas que um dia tornar-se-ão palpáveis. Mantém-se no poder apenas pela força do suborno às autoridades outras, tão imundas quanto ele. É filho de satã, travestido de púrpura e que deixa morrer de fome e vergonha, os que a eles trata como escravos e não como credores. Espinho de mandacaru, furador e torturador dos humildes que o elegeram. Algo razoável, só de mau humor (ruindade nos cromossomos). Eis aí o prefeito sota-vento.
       Como você classifica o seu presidente, governador ou prefeito, meu amigo? Pode até haver um meio-termo, mas não deixa de ser apenas um véu de filó ou de gorgorão que encobre um dos dois: BARLAVENTO OU SOTA-VENTO.