quarta-feira, 19 de agosto de 2020

 

O DESPREZO DOS HOMENS

Clerisvaldo B. Chagas, 20 de agosto de 2020

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.368

CRISTO DESCARTADO (FOTO: B. CHAGAS/LIVRO INÉDITO, "O BOI, A BOTA E A BATINA; HISTÓRIA COMPLETA DE SANTANA DO IPANEMA").


          O Serrote Pelado, ao norte de Santana, era apenas um
monte onde não ia ninguém. Certo dia, contudo, o proprietário mandou limpar o terreno e o povo pensava que ali naquele alto iria ser construída alguma coisa de proveito: um hotel, uma clínica de repouso, uma estação meteorológica... Nada disso foi feito. Apenas uma casa suspeita em forma de bar. Mais adiante, no governo Genival Tenório, que frequentava bastante o local, (1978-82) foi pavimentada a estrada de acesso ao Pelado numa engenharia estranha: paralelepípedos em camadas alternativas, niveladas e de níveis mais altos, numa justificativa de não deslizamento de pneus de automóveis. O prefeito, então colocou ali três imagens religiosas em tamanho normal: Cristo Crucificado ladeado por Frei Damião e padre Cícero. Após, rebatizou o serrote Pelado de Alto da Fé.

Como se vê, santo em lugar suspeito não iria dar certo. Muitas coisas profanas aconteceram por ali gerando revolta na comunidade cristã de Santana. No governo Isnaldo Bulhões (1983-88) atendendo  clamor popular, Bulhões fez descer do tal Alto da Fé, as imagens de Frei Damião e Padre Cícero. Cicero foi parar em pedestal defronte a sua igreja no Bairro Lajeiro Grande e, Damião foi transferido para uma pracinha com seu nome no Bairro Camoxinga. Cristo permaneceu solitário no ‘alto do pecado”. Somente no governo Marcos Davi (2001-2004) o Cristo foi removido.  Não sabemos se a equipe que deu novo destino a imagem era ateia ou não. Fomos consultados por puxa-saco onde deixar o Cristo. Recomendamos o verdadeiro alto da fé, o serrote do Cruzeiro de forte tradição religiosa.

Esperávamos alguma modificação na imagem e o seu encaixamento no grande cruzeiro existente, contemplando e abençoando a cidade. Muitos meses depois, qual não foi a nossa surpresa em visita ao serrote do Cruzeiro! Naquela grande solidão, deparei-me de repente com a imagem do Cristo, descartado, como se tivesse jogado ao lixo. Primeiro arrepiei-me com a surpresa. Parecia um homem vivo, angustiado, pedindo socorro. Segundo, veio uma emoção muito grande pelo que os fariseus fizeram. Estava a imagem escondida, desprezada e presa por trás da igrejinha.  Não tive ação para mais nada. Desci o serrote revoltado com o descarte do Mestre Jesus.  Denunciei o descaso em crônica pública. Nenhuma reação. Passados tantos e tantos anos do acontecido, acho que o Cristo Crucificado continua lá, clamando às autoridades que não merece o que fizeram com ele.

Crucificaram o Mestre pela segundo vez.

*Extraído do livro inédito: “O Boi, a Bota e a Batina, História Completa de Santana do Ipanema”.

 

 


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