quarta-feira, 5 de maio de 2010

MERA COINCIDÊNCIA

MERA COINCIDÊNCIA
(Clerisvaldo B. Chagas. 5.5.2010)
Série ficção
Bem à vontade na espreguiçadeira, o coronel Leonino Leão palestrava animadamente com o deputado Lobo Faninto. Era perto do meio-dia e a buchada cheirava muito no fogo da fazenda “Escreveu Não Leu”. A visita de cortesia era também pelo agradecimento do deputado que fora eleito entre os primeiros lugares. Leonino, muito satisfeito, contava ao deputado como se fazia política no Sertão:
─ Pois comigo é assim, meu caro deputado. Tem muito cabra peste no mundo! O Zé Catenga mesmo (sujeito da vila) me procurou dizendo que havia ganhado um cavalo, mas faltava a sela. Garantiu-me quinze votos certos, entre a família dele. Providenciei a sela, mas o infeliz disse que só servia nova. Mandei o mestre fazer. Depois da eleição não veio nem aqui. Levou seus quinze votos para outro deputado, ganhou mais uma sela nova e uma cabra leiteira. Mandei chamá-lo e dei-lhe uma pisa da peste! Mas, entenda deputado, a surra não foi com chibata velha não. Foi com uma novinha, novinha, como a sela que eu dei a ele.
─ Sei, meu amigo...
─ Sebastião Xundoca, um cabra da Lagoa Bonita, quando pedi uns votinhos a ele, o indivíduo falou que nem precisava ter pedido: “Lá em casa é tudo com o seu candidato, coronel”. Quando ele saiu de perto de mim, disse a uma afilhada minha que eu fosse lamber sabão que o voto dele não era para ladrão. Rimou, não foi, deputado? Eu disse a mim mesmo que iria pagar bem pela sua rimada. Passado o pleito, mandei um recado pedindo que Xundoca viesse até aqui e me trouxesse uma barra de sabão. Ele chegou com cara de besta, mas trouxe a barra. Eu mandei Zé Ligeiro e Pedro Marreta fazerem uma presepada com o sabão que ele trouxe. Um foi empurrando pedaços pela boca de cima e o outro empurrando sabão pelo furo de baixo.
─ Oxente! E ele morreu, coronel?
─ Levaram-no para a capital. Nem sei o futuro de Bastião Xundoca... Antonio Jururu (esse o senhor conhece) me prometeu um boi pela sua vitória. Quando o deputado ganhou, perguntei a ele pelo boi. Hum! Ele disse que lamentava muito, mas a cobra tinha mordido o garrote. Aí eu fiz ver àquele cabra cu-de-galinha que em seus pastos ainda pastavam muitos bois. Sabe o que ele me respondeu, deputado? Que não iria tirar outro boi do pasto, pois o prometido fora o boi da mordida. Eu, então, pedi a ele que me trouxesse pelo menos a serpente que mordeu o boi. No outro dia o safado chegou à fazenda com uma jararaca que mandou caçar nem sei aonde. Nesse tempo não se encontra uma só por aqui. Mandei os “meninos” amarrá-lo e soltar a jararaca dentro da roupa dele, depois de fechar as pernas da calça.
─ E aí?
─ Deixe isso para lá, deputado. Um cabra que me prometeu ajudar e foi tocar sanfona para o adversário eu o peguei depois e ele passou aqui um dia inteiro tocando sanfona sem parar, nem beber, nem comer. Os meninos não deixavam. E como a buchada já está à mesa, quero dizer só mais uma. Fiz um cabra dormir pendurado com as mãos para cima no meio dos morcegos porque ele disse a minha comadre, referindo-se a mim, que não acompanhava minha política, pois “quem anda com morcego dorme de cabeça para baixo”. Ele dormiu com os morcegos, mas de cabeça para cima para largar de ser mentiroso.
A mulher do coronel chamou o povo. O deputado se levantou dizendo que já tinha feito muitas daquelas. Aí o coronel também se levantou e disse:
─ Então é MERA COINCIDÊNCIA.






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