O POBRE MESMO SOU EU
Clerisvaldo B. Chagas, 14 de fevereiro de 2013.
Crônica Nº 966
Nos tempos da
escravidão, os fazendeiros nordestinos complementavam as comidas dos escravos
com charque e bacalhau. O charque (carne seca) vindo das charqueadas do Rio
Grande do Sul e o outro, vindo de Portugal, eram considerados alimentos de pobre.
Até a década de cinquenta e início de sessenta, os proprietários rurais ainda
utilizavam bastante os dois produtos para seus trabalhadores. Formavam-se nos
sertões nordestinos, os chamados “batalhões”, com cerca de cem homens e
mulheres para a colheita do algodão, plantio, limpa e colheita também de outros
produtos como feijão e milho. Ao meio-dia, os pane laços à sombra do juazeiro,
cajueiro, imbuzeiro... Atraiam os trabalhadores com o aroma gostoso do feijão
com charque ou bacalhau. Nessa época, só quem comia charque e bacalhau eram os
pobres... Ou os ricos na Semana Santa, por causa dos preceitos do catolicismo. O preço era muito baixo. Depois o bacalhau e o
charque passaram a peso de ouro, inclusive, aos poucos, foram extintos os “batalhões”
de trabalhadores no campo.
Na época em que charque e bacalhau
passaram a custar uma fortuna, os papéis se inverteram. O consumo de ambos
passou a ser somente pelo rico. O pobre ficou triste porque não podia realizar
sua “mistura”: nem carne, nem peixe, nem nada. O naco diferente de feijão e
farinha, no sertão, passou a ser coisa de luxo, comida premiada em dia de
felicidade. Foi nessa época em que o coronel fazendeiro Antônio Bagano, com seu
chapelão de abas largas e bigode cheio, passou pelo popular Zé Balão em dia de
Quarta-Feira de Cinzas e indagou, por indagar, se ele já “havia comido o seu bacalhau de hoje”. O trabalhador braçal, sério,
irônico e desconfiado, respondeu: “Coroné,
o senhor já viu pobe comer bacaiau! O único bacaiau que eu comi hoje, foi o da
minha nega, em casa”.
O
coronel
Bagano − Viúvo que não costumava ouvir resposta dos fracos − surpreendido eriçou o
bigode, deu de ombros e saiu a resmungar: “Cabra fi' da peste de sorte! Pode não ter dinheiro, mas não pode se queixar do 'bacaiau' da nega!". Acho que O POBRE MESMO SOU EU.
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