O TREM DE SATUBA (Clerisvaldo B. Chagas. 25.11.2009) Havia uma expressão popular em Maceió para quem era e o que era bastante devagar: “(.....

O TREM DE SATUBA

O TREM DE SATUBA
(Clerisvaldo B. Chagas. 25.11.2009)

Havia uma expressão popular em Maceió para quem era e o que era bastante devagar: “(...) mais atrasado do que o trem de Satuba”. Satuba, cidade alagoana, faz parte da grande Maceió, hoje separada da capital apenas por uma enorme ladeira. É ali onde sempre funcionou uma escola agrícola que se tornou famosa do litoral ao Alto Sertão. Inúmeros jovens estudaram e estudam naquela escola saindo com a formação de técnico agrícola. Muitas são as aventuras que os alunos contavam sobre os tempos das vacas magras naquele estabelecimento. A cidade continua contribuindo com a agricultura estadual, apesar dos últimos escândalos cujo povo ordeiro não merece. Satuba também é a terra de Zé Preta, um dos maiores jogadores do futebol nordestino que honrou o nosso estado. O município adquiriu fama na arte da cerâmica ali fabricada, cujas chaminés formavam o seu cartão de visitas. Alguns diziam em termos de gozações que Satuba era a única cidade do Brasil aonde o trem ─ sempre atrasado ─ entrava de ré. Outros, envergonhados com isso, pediam publicamente providências para que fosse corrigida a anomalia. O certo é que essa pequena cidade de Alagoas, pela distância é quase um bairro de Maceió. De Satuba ficou conhecidíssima a referência sobre a água do Catolé que, dizem, já foi considerada a segunda melhor da América do Sul. O certo é que a cidade está movimentada, favorecida pela expansão residencial do tabuleiro de Maceió e pelo intenso tráfego dos que vem do Sertão e Agreste pela BR-316.
Demorou muito para que as condições da Escola Agrícola melhorassem. Demorou ainda para que as providências sobre as manobras do trem fossem modificadas. É a burocracia brasileira que emperra a máquina administrativa, irritando a paciência do povo. Em muitos aspectos parecem até os freios russos do tempo do socialismo. Não são raras às vezes em que as reivindicações atendidas demoram tanto que já não servem. Quando servem estão obsoletas. Certa vez foi criado o Ministério da Desburocratização que não conseguiu muita coisa, até porque quando acabou, tudo voltou ao que era antes. Esses excessos de ordens, de papel e de tempo, parecem não acrescentar em nada o combate à corrupção. Quanto mais burocracia mais falatórios e denúncias (felizmente numa Imprensa que ainda pode publicar). Quanto mais afastada do oceano for à cidade, menor é a esperança de ser atendida nas esferas estadual e federal. Certa feita um governador deixou transparecer que o Sertão é pouco habitado, isto é, tem poucos votos a dá. Bastava à votação da Zona da Mata, para eleger um governador; e por que se preocupar com apelos do povo sertanejo? O compromisso estaria com o poder e não com a fatia do semi-árido.
Pelo visto acima, a multidão vai acompanhando essas situações de derrotas, de humilhações, de deuses e semideuses governamentais e criando imagens. Surgem ditados, provérbios, fábulas, lendas... E também gestos inflamados de bananas para uma porção de autoridades. A burocracia quase nada mudou. E as providências urgentes solicitadas pela população, infelizmente continuam mais atrasadas do que O TREM DE SATUBA.

O SERROTE DE SÃO JOSÉ (Clerisvaldo B. Chagas. 24.11.2009) Quem conheceu Santana do Ipanema décadas atrás, lembra perfeitamente da Rua Benedi...

O SERROTE DE SÃO JOSÉ

O SERROTE DE SÃO JOSÉ
(Clerisvaldo B. Chagas. 24.11.2009)

Quem conheceu Santana do Ipanema décadas atrás, lembra perfeitamente da Rua Benedito Melo, também chamada Rua Nova. Ali uma das travessas até a Rua Antonio Tavares, era chamada “Beco de Seu Felisdoro”. Felisdoro tinha uma bodega em uma das esquinas; na outra, trabalhava Antonio Dantas numa oficina de marceneiro. Felisdoro ─ já nos referimos a ele em outra crônica ─ alto, parecendo um grego também no porte, foi o candidato que só teve o voto dele numa eleição. A esposa “Bila” votou no melhor incentivado pelo próprio marido. Contrastando em tudo com o pacato Felisdoro, Antonio Dantas, vizinho de beco, era baixinho, olhos azuis, cara dura e gostava de bebida. Fabricava caixões de defunto. Dali saíram muitas histórias engraçadas sobre enterros, velórios e entrega de caixões antes do amanhecer.
Como marceneiros gostam de falar sobre coisas referentes à marcenaria, foi ali que ouvi a ingenuidade de dois casos. Entre as ferramentas daquela arte, existe a enxó, um dos principais objetos usados pelos carpinteiros. A enxó chama atenção porque é um instrumento curvo de cabo pequeno e que trabalha em ângulos difíceis. Vendo-me admirando a enxó, um dos marceneiros me disse que era o instrumento do cão. E explicou: um camarada trabalhava com a enxó. O cão chegou perto e começou a tentar o homem: “cuidado para não cortar a venta! Cuidado para não corta a venta!” O homem foi ficando impaciente com aquela conversa até que falou abusado: “Você não está vendo que não se pode cortar a venta com isso? A não ser que faça assim”. E virando o gume da enxó para cima, arrancou o nariz. Fiquei imaginando a força da tentação. E ouvindo o roc-roc do serrote, perguntei se aquele instrumento também era do demônio. O marceneiro falou que o pai de Jesus possuía um serrote muito bom, afiadíssimo. Acontece que sempre aparecia um cidadão para tomar emprestada a ferramenta. Cansado de interromper o seu trabalho e receber o instrumento de volta sempre com problemas, o futuro santo resolveu cortar o mal pela raiz. Deu um jeito na dentição do serrote colocando um dente para um lado, um dente para o outro e assim sucessivamente. O cidadão nunca mais pediu o serrote emprestado. José, entretanto, ao experimentar a nova ferramenta teve uma ótima surpresa. Estava melhor de que antes. E foi assim por acaso que o Carpinteiro inventou um serrote muito mais eficiente. Portanto, a ferramenta não era do cão tal a enxó, e sim de São José.
Com esses casos e lendas também aprendemos bem. Quando a madeira é torta pode não dar para cumeeira, mas é excelente para bodoque. O anzol é torto para pegar o peixe. E, na sabedoria popular “Deus escreve certo por linhas tortas”. Um colega dizia que “quem nasce para cangalha não dá para sela”. E se os da sela não tivessem os da cangalha, quem levaria o peso? Assim, aprendemos que tudo que existe no Planeta serve para alguma coisa. Deus fez o mundo perfeito em todos os seus detalhes; pode faltar apenas a compreensão dos terráqueos. Em diversas ocasiões da vida não podemos ser linheiros QUANDO O CERTO É TORTO.

A RUCINHA DO CORONEL (Clerisvaldo B. Chagas. 23.11.2009) Meu pai, o comerciante Manoel Celestino das Chagas, nos dava lições práticas de es...

A RUCINHA DO CORONEL

A RUCINHA DO CORONEL
(Clerisvaldo B. Chagas. 23.11.2009)

Meu pai, o comerciante Manoel Celestino das Chagas, nos dava lições práticas de espiritismo (sem saber), sendo católico fervoroso. Suas observações estavam além do tempo e, como Jesus, gostava muito de aconselhar fazendo comparações. Bom em matemática, quase não lia um livro completo e nem sei de onde vinha tanta sabedoria sobre a principal matéria que é a “matéria da vida”. Algumas histórias faziam rir, mas traziam reflexões nas entrelinhas. Muitos casos ouvi quando adolescente e um deles foi o da Rucinha. Não tenho conhecimento se existe alguma coisa escrita, pois não imagino de onde ele retirava suas histórias.
Segundo Manoel Chagas (hoje com 92), tem pessoas que gostam muito de tomar coisas emprestadas, quase como mania. Mas, diz um velho ditado que não se emprestam três coisas: violão, mulher e cavalo bom. Dizia Seu Manezinho que havia um coronel que possuía excelente animal. Desse cavalo tinha um ciúme triste que era da sua mão para a mão do tratador e de mais ninguém. Solto na manga o coronel possuía também, entre outros equinos, uma potranca ruça (pardacenta) muito arisca a quem dera o nome de Rucinha. De vez em quando aparecia alguém pedindo emprestado o seu cavalo extremamente baixeiro. O coronel se mostrava muito amável, fazia gestos teatrais de servidor, e terminava dizendo que não podia emprestar o cavalo. É que ─ alegava o dono ─ se não fosse uma viagenzinha que iria fazer, “o cavalo estaria nas mãos do senhor”. E para rebater a suave recusa do empréstimo dizia, contudo, que ainda restava uma saída para não deixar de servir. “Tenho uma bestinha muito boa pastando na manga. É só o amigo procurá-la e já está emprestada. Devolva quando quiser”. Ora, não havia vaqueiro no mundo que pegasse a Rucinha dentro da manga. O sujeito ia embora sem levar nada e ainda agradecia demais ao manhoso coronel.
A gente vai emprestando as coisas com o maior prazer e, em muitas ocasiões, não tem certeza se o outro é viciado. Assim vai um martelo, um serrote, um alicate... Uma escada. O pior ainda é o empréstimo do livro que não volta à estante. Quando o dono o empresta pensa que a pessoa vai devolver logo porque é esclarecida. A falta da devolução de vários outros objetos é justificada pelo não aprimoramento cultural, porém, livros não. Como uma pessoa esclarecida leva um livro emprestado e não devolve? Estamos nesse mundo para servir. O homem só pode evoluir servindo com boa vontade. Também passar no rosto que serviu, é mesmo que anular o ato anterior. Ocasiões existem, todavia, que pessoas abusam da bondade. É diferente do que toma emprestado com boas intenções e por uma infelicidade da própria vida fica sem condições de devolver e é aguilhoado pelo credor. Este é outro assunto que um dia gostaria de abordar. É de se compreender, entretanto, que muitos agem com prudência e outros na tem a menor vontade de servir. Tanto no primeiro quanto no segundo caso, continua em voga a procura pela RUCINHA DO CORONEL.