DESENHO DO VIAJOR (Clerisvaldo B. Chagas. 21.6.2010) Crônica: marco nº 300 É sexta-feira. Chove copiosamente em Maceió. As notícias dão c...

DESENHO DO VIAJOR

DESENHO DO VIAJOR

(Clerisvaldo B. Chagas. 21.6.2010)
Crônica: marco nº 300

É sexta-feira. Chove copiosamente em Maceió. As notícias dão conta de que as chuvas estão acontecendo no estado todo. Logo, rádios, sites, jornais, comentam, mostram as enchentes dos rios oriundos de Pernambuco. Repetem-se os dramas de anos anteriores. É como se houvesse intenso alarme durante os acontecimentos e, depois, o longo silêncio de sempre. As vítimas se acomodam, vão tocando a vida e o restante fica por conta do esquecimento brasileiro. É aguardar para o próximo ano ou para mais algumas dezenas de anos, a repetência dos dramas insolúveis.
Vem o sábado, melhora o tempo. Queremos partir para o Sertão. Os rios da Zona da Mata aumentam o volume. As águas vem ameaçando, destruindo as coisas das suas margens. Chega à notícia de que parte de Atalaia está debaixo d’água. Vergonha estadual! As mesmas de quando éramos crianças. Estamos prontos para viajar. Os sites anunciam, entretanto, que a Polícia Rodoviária Federal acaba de interditar as pontes caducas de Atalaia e Satuba. Ninguém vai; ninguém vem. Resta à opção de viagem via Arapiraca. Como estará o rio São Miguel que há pouco invadiu a cidade. Haja telefonemas. Felizmente a região encontra-se normal. O São Miguel está mansinho. Já passa das 15 horas, mas é decidida a jornada. E vamos cruzando a “Cidade Sorriso” com as chuvas suspensas. Parte do dique-estrada não oferece passagem. Um bêbado, imitando guarda de trânsito, tenta avisar sobre a interrupção das águas. Quem acredita? Primeiro rodeio de uma longa viagem. E, entre uma maçada e outra, vamos deixando a capital às 16 horas. Trânsito intenso no trecho até Marechal. Enfim, pegamos a BR, quando sai um avião, bruscamente, do verde canavial. Desengonçado, amedrontando os terrestres, a aeronave ameaça desabar; apruma-se, pega o rumo e dana-se no oco velho do mundo. A estrada fica perigosa, repleta de caminhões e carretas que vem de longe.
Ladeira do Varrela, lugar de perigo dobrado. Campo Alegre anoitece com suas estradas sinuosas, felizmente no estio. E quem passa pelo distrito Pé Leve tem obrigação de parar no ponto da Galega. É ali o melhor pé-de-moleque da região. Os bolos de macaxeira, milho, não negam a época junina aos transeuntes. Finalmente, a passagem irritante das lombadas eletrônicas arapiraquenses e a longa travessia noturna até Batalha. À hora convida para o café no Bacurau, porém, o atraso não mais permite. Perdemos o melhor café do trecho. E assim o destino vai chegando à obrigação do rodeio; imposição das pontes de Satuba e Atalaia, que ameaçam ruir. Mas logo, logo, o assunto ficará esquecido até que aconteça uma tragédia insistentemente anunciada. Uma vez na “Rainha do Sertão”, sinais de chuvas recentes. Ipanema e Camoxinga cheios, nem uma notícia negativa. O mês de festas continua animado no município sertanejo. Enquanto as nuvens vão maltratando a Zona da Mata, o Sertão vai criando alma nova, mesmo prevendo a safra com prejuízo e atraso. E um dia assim atípico em Alagoas, não escapa ao DESENHO DO VIAJOR.

NILZA, LIVROS, BIBLIOTECAS (Clerisvaldo B. Chagas. 18.6.2010) Conheci a Biblioteca Pública de Santana do Ipanema, funcionando em vários lug...

NILZA, LIVROS, BIBLIOTECAS

NILZA, LIVROS, BIBLIOTECAS
(Clerisvaldo B. Chagas. 18.6.2010)
Conheci a Biblioteca Pública de Santana do Ipanema, funcionando em vários lugares. Já falei muito sobre isso. A minha fase maior de leitura, porém, foi quando esse órgão do povo atuava a Rua do Comércio, Praça Senador Enéas Araújo. Ali, no primeiro pavimento da “Loja Esperança”, de Benedito V. Nepomuceno, subi e desci muitíssimas vezes os degraus de fora, corrimão de ferro desenhado. Janelas verticais de vidros coloridos, piso de madeira, o prédio sempre foi imponente visto de longe e confortável usado por dentro. No telhado, no cimo da cornija, a estátua do deus Mercúrio, dava prestígio aos descendentes do antigo dono do casarão. A biblioteca era limpa e agradável, sob o comando da intelectual bibliotecária Nilza Nepomuceno Marques. Falavam que no prédio aconteciam coisas, porém, nunca vi ou ouvi algo que pudesse nos afastar dali. Bastava olhar para a rua pelas janelas sempre abertas, para se sentir bem. A leitura era feita em silêncio sob o auxílio, delicadeza e orientação de Nilza Marques. Podíamos levar livros para casa por um prazo de quinze dias, mediante fichas cadastrais. Li tudo que me interessava e com grande velocidade. Às vezes, lia um livro médio em um dia, dia e meio, renovando constantemente a leitura. Se Nilza Marques não tivesse sido uma excelente bibliotecária em seu relacionamento com usuários e adolescentes, por certo, eu e outros teríamos sumidos das bibliotecas.
Lembro ainda a biblioteca pública funcionando depois, no primeiro andar da CARSIL, a Rua Coronel Lucena, bem defronte a Prefeitura. Naquele local já funcionara a sede de “A Voz do Município”, serviço radiofônico de divulgação de atos municipais. Mas aí a biblioteca já não funcionava com Nilza Marques. Quanta diferença! Colocaram a pessoa errada no lugar errado. Em seguida a biblioteca passou a existir no primeiro andar do casarão a esquerda da Matriz de Senhora Santa Ana. Mesmo lugar onde prestou serviços por décadas, o “Hotel Central” de Maria Sabão.
Daqui de Maceió, soube pelos sites santanenses, do passamento de Nilza Nepomuceno Marques, na quarta-feira, próxima passada. Doi na gente quando pessoas da estirpe de Nilza desaparecem. Partiram, em curto espaço de tempo de um para o outro, Dr. Hélio Cabral de Vasconcelos (ex-prefeito de Santana); Homero Malta (professor e desportista) e Nilza Marques (funcionária pública estadual aposentada e intelectual, como o Dr. Hélio). Nesse mundo ninguém é eterno, muito embora alguns ricos ainda pensem diferente. Santana do Ipanema vai absorvendo como pode as notícias desagradáveis sobre seus filhos ilustres. Mas dizem que viver para os outros, sempre fazendo o bem e construindo uma sociedade melhor, conta muito na avaliação divina. Nunca irei esquecer os incentivos de quem tanto fez pela juventude estudiosa de Santana. Enquanto tiver letras em Santana do Ipanema, estarão associadas às palavras: NILZA, LIVROS, BIBLIOTECAS.

DOCE PARA AS ELITES (Clerisvaldo B. Chagas. 17.6.2010) A Rua Tertuliano Nepomuceno, em Santana do Ipanema, Alagoas, tem início no Largo da...

DOCE PARA AS ELITES

DOCE PARA AS ELITES
(Clerisvaldo B. Chagas. 17.6.2010)

A Rua Tertuliano Nepomuceno, em Santana do Ipanema, Alagoas, tem início no Largo da Feira e se estende até o lugar chamado Aterro. O aterro representa um elevado de terra feito para continuidade à velha rodagem BR-316. Designa uma das mais antigas vias de Santana, prolongamento do quadro comercial dos tempos de vila. Ainda não perdeu totalmente o nome de Rua da Matança, porque ali, ao ar livre, era abatido o gado durante as sextas. Muitos casos acontecidos no lugar são contados de avôs para os netos. Os cabarés que ocupavam o início foram empurrados continuadamente para o final, para o Aterro, para ambos os lados do Aterro. Rua de bares, de casas de jogos, de bailes noturnos, de ébrios e boêmios. Nos dias de feira transforma-se na Rua dos Porcos, das Panelas, da Palha... Das Toldas. Por ali já residiram pessoas como o “Fonfom” (figura típica, homem de confiança do Coronel Lucena); o campeão de xadrez, Brás (antigo funcionário da casa Ideal, sapataria de luxo de Santana) e mesmo o primeiro intendente interventor, Frederico Rocha.
Perto do final da rua, do lado esquerdo, morava e trabalhava um barbeiro alto, moreno, simpático, de nome Manoel Mariano. Mariano era um dos inúmeros compadres de meu pai e gostava de visitar a nossa loja de tecidos. Sempre bem-humorado Mariano contou que certa vez, ele e a esposa, foram visitar um compadre, num sítio distante. Chegaram cedo e conversaram muito. Mas na hora do almoça ninguém falava em comida. À hora ia passando, a barriga pedindo socorro até que, desenganado, o casal visitante resolveu ir embora. Foi aí que o compadre disse: “Vá agora não, Mariano. A mulher estar fazendo um docinho ali na cozinha, sai logo!” Manoel ainda quis se animar, porém, a mulher do visitado pegou a deixa lá na cozinha e falou em voz alta: “E compadre é besta para comer doce quente e morrer, hem compadre!” E com essa, Manoel Mariano e sua esposa desocuparam rapidamente a casa e se fizeram na poeira de volta a Santana.
Muito tempo depois do caso de Manoel, estando eu na ante-sala do governador, enquanto aguardava, vieram lembranças da Rua Tertuliano Nepomuceno. Com elas, surgiu na mente a saga do barbeiro faminto. E naquele lugar de protocolos, seguranças, boas palestras, os ventos que traziam aromas adocicados sopravam pelos corredores, passavam nas janelas de vidros, rapavam as tintas das paredes austeras e brancas. Comparei o governador à mulher do sítio mexendo as iguarias em fogo de lenha. Um mexido sem fim que varava a manhã, à tarde, à noite, indefinidamente. Levantei-me e fui espiar a rua pelos vidros multicores. Talvez estivesse enjoado com o cheiro lá de dentro. Ou era um cheiro virtual? Meus olhos procuravam outros seres das multidões que hipoteticamente, acompanham o barbeiro Manoel Mariano. E lá na praça grande vejo mendigos, grevistas, viciados, batalhadores, como se estivessem aguardando, não o almoço, mas pelos menos a esperança de um "lanche" muito magro. Mas eu tinha a consciência de que eles só podiam contar com a fome do barbeiro. O mortal comum apenas pode observar de longe quando passa o “DOCE” PARA AS ELITES.