DESGOSTO NA VIDA (Clerisvaldo B. Chagas, 12 de maio de 2011 ).           Dividido entre trabalho escolar, recuperação de acervo sobre o can...

DESGOSTO NA VIDA

DESGOSTO NA VIDA
(Clerisvaldo B. Chagas, 12 de maio de 2011).

          Dividido entre trabalho escolar, recuperação de acervo sobre o cangaço, crônicas diárias e confecção do quinto romance histórico, ciclo dos cangaceiros, vou tentando entender o óbvio. O romance, ainda sem título, está inspirador e bem encaminhado. Terceiro capítulo. A história se passa quase 100% entre Piranhas e Entre Montes, cenas em Santana do Ipanema e na caatinga. O tema envolve religião, devotos, cangaceiros e outros ingredientes. O início do tema acontece um mês antes do massacre dos Angicos que entra na história e prossegue até a morte de Corisco. Entretanto o miolo em si não é o cangaço. O cangaço é da periferia do romance e de vez em quando entra e sai de foco. O centro narrativo é um guarda-costas (capanga) o protagonista, contratado para proteger o padre de Piranhas, ameaçado por alguns descontentes por medidas duras do padre Herculano no povoado Entre Montes (Monte Belo, na história). Na realidade a vida do capanga é o núcleo do romance que faz girar ficção e fatos históricos onde o leitor não vai conseguir separar um dos outros. Padre Bulhões, major Lucena Maranhão, mortes dos Angicos, trem de Piranhas, misturam-se com os transportes da época (verdade) e absorve sexo, combates, amor, sofrimento, luta pela sobrevivência (ficção). Tudo num terreno bruto e romântico. (Nada a ver com “Cordel Encantado”). “Fazenda Lajeado” fala em Piranhas várias vezes, “Deuses de Mandacaru”, encerra-se em Piranhas. Portanto, o acervo do cangaço é fundamental para coadjuvar o romance.
         
          Vejo o protesto do deputado e historiador daquela cidade, Inácio Loyola, contra a construção de mais uma hidrelétrica no rio São Francisco, entre Pão de Açúcar e Piranhas. O rio, combalido com o golpe arrasador de Xingó, virou riacho, perdeu o peixe, encontra-se assoreado e não aguenta nem mais um empurrão. Estamos na época das alternativas. E se querem mais energia deveriam instalar uma usina eólica onde for possível e deixar o nosso rio doente reagindo. E como disse o parlamentar, a dívida social da Eletrobrás é realmente enorme com a população ribeirinha. Desde já o deputado pode contar conosco e creio com todos os habitantes de Alagoas e Sergipe que deverão engrossar o coro, caso persista essa ideia maluca de sangrar o paciente.
          Quem não lembra os protestos do bispo e a greve de fome feita em defesa da sobrevivência do nosso São Francisco? E é assim, é? Isso até faz lembrar o repentista Zezinho da Divisão com seu velho mote “tudo é desgosto na vida”:

Nosso rio está doente
Querem acabar de matar
Depois de tudo sangrar
Nem peixe ficar pra gente
Eletrobrás é serpente
Cujo peçonha é cuspida
Com sua boca comprida
Mais a língua bifurcada
Liquida a troco de nada
“Tudo é DESGOSTO NA VIDA”

ZÉ DA LUZ (Clerisvaldo B. Chagas, 11 de maio de 2011). (Para a sensibilidade de Carlos Henrique)           Provocado pelo Mural de Recados...

ZÉ DA LUZ

ZÉ DA LUZ
(Clerisvaldo B. Chagas, 11 de maio de 2011).
(Para a sensibilidade de Carlos Henrique)

          Provocado pelo Mural de Recados do nosso blog, resolvo, então, lembrar um pouco do assunto comentado pelo empresário Carlos Henrique. Severino de Andrade Silva (o Zé da Luz) nasceu em Itabaiana-PB, em 29 de março de 1904, tendo falecido no Rio em 12 de fevereiro de 1965. Alfaiate de profissão foi poeta de grande sensibilidade criativa e publicava seus versos em forma de cordel. Gostava de fazer como Catulo da Paixão Cearense de interpretar a linguagem do caboclo nordestino na forma poética conhecida como “poesia matuta”. Apesar de famosos literatos condenarem a linguagem cabocla no mundo literário, isso não exclui o mérito das grandes composições. Todos os repentistas nordestinos aprendem cedo que o principal documento do poeta é a “criação”. É construir imagens nunca antes criadas. Lembro-me perfeitamente da década de 60 quando a “poesia matuta” estava no auge. Declamavam-se versos de Catulo e Zé da Luz, nos clubes sociais, nas escolas, no meio da rua. Causei muito riso declamando no Ginásio Santana e nos mais diferentes lugares. O empresário Sinval, que possuía alambique em Santana do Ipanema, era um ótimo declamador matuto. As páginas de maior sucesso eram “A Cacimbinha” e “Flor de Puxinanã” na parte humorística. Adormecida por longos anos, a poesia matuta volta à moda com bons declamadores, assim como Amazan. Publiquei um CD de poesia matuta, “Sertão Brabo”, dez poemas engraçados. Mas quando se fala na mistura de criatividade e sensibilidade, deixamos aqui o poema de Zé da Luz, que tanto recitei como um brinde aos nossos leitores e um preito ao grande poeta paraibano.

AI SE SESSE!

Se um dia nós se gostasse;
Se um dia nós se queresse;
Se nós dos se impariasse
Se juntinho nós dois vivesse!
Se juntinho nós dois morasse
Se juntinho nós dois drumisse;
Se juntinho nós dois morresse!
Se pro céu nós assubisse?
Mas porém, se acontecesse
qui São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse,
te dizê quarqué toulice?
E se eu me arriminasse
e tu cumigo insistisse,
prá qui eu me arrezorvesse
e a minha faca puxasse,
e o buxo do céu furasse?...
Tarvez qui nós dois ficasse
tarvez qui nós dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virge tôdas fugisse!
ZÉ DA LUZ




RUA DA FRENTE (Clerisvaldo B. Chagas, 10 de maio de 2011).           Visitando algumas cidades ribeirinhas do São Francisco, notei que tod...

RUA DA FRENTE

RUA DA FRENTE
(Clerisvaldo B. Chagas, 10 de maio de 2011).

          Visitando algumas cidades ribeirinhas do São Francisco, notei que todas elas têm uma rua chamada Rua da Frente. Interessante é que a rua da frente ─ para nós ─ é aquela principal, muitas vezes a maior, a mais larga, a mais importante. Nas cidades ribeirinhas, a entrada de muitas delas tem cobertura asfáltica, chegando por trás. É que esses núcleos urbanos, assim como seus povoados, foram construídos virados para o caminho natural da época, que era o rio São Francisco. A rua da frente, portanto, era a primeira em ordem de afastamento da corrente e representava privilégio para o morador, possuir a moradia bem perto do leito do rio.
          Na segunda década do Século XX, quando automóvel ainda era uma coisa rara, principalmente nos sertões longínquos, os rios desempenhavam papel importantíssimo em todos os sentidos. Além do peixe que alimentava pessoas e comércio, eles permitiam o deslocamento dos viajantes entre o litoral e o interior, através de variados tipos de embarcações, desde a simples canoa aos luxuosos navios. Na região do São Francisco, havia um comércio intenso com a exportação de mercadorias sertanejas como queijos, cereais, peles, madeira, rapadura; e importações como ferramentas, sal, açúcar, bebidas, tecidos, remédios e calçados. À medida que povoados, vilas e cidades expandiam-se, crescia a importância do transporte fluvial pela ausência de estradas de rodagem e escassez de veículos de cargas como o caminhão. Não se desmatava tanto permitindo o assoreamento de afluentes e do rio principal das bacias. Os navios, portanto, tinham condições de navegabilidade ─ no caso do rio São Francisco ─ da foz, perto de Piaçabuçu, até o núcleo de Pão de Açúcar. Temos até narração de escritor sertanejo de Alagoas, de como chegou ao Rio de Janeiro, iniciando o trajeto a partir de Santana do Ipanema, por terra, Pão de Açúcar a Propriá navegando pelo Rio da Unidade Nacional. Pão de Açúcar, segundo núcleo em importância na época, só perdia para Penedo, tal o movimento do porto entre embarcações, carros de boi, cavalos, burros e gente. Era por isso tudo que se constituía um privilégio a moradia na rua principal, a rua da frente, a que contemplava e participava de todo movimento de uma cidade ribeirinha.
          Vê-se, então, acima, que a rua da frente, com seus casarios compridos, portas e janelas típicas de madeira frisada, representava uma elite, uma nobreza local que participava de todos os eventos sociais, como desfiles, coretos para bandas de música, Carnaval, fogueiras de São João e procissões aquáticas. Queremos dizer que a rua da frente participava e dava o melhor de si, para o progresso da cidade onde se encontrava encravada.
          Como dizia o poeta Zé da Luz, “mal comparando”, as pessoas, lá longe, parecem cidades. Somos cheios de vícios, medos, esperanças e egoísmos. Somos, então, ruas do vício, do medo, da esperança, do egoísmo. Difícil mesmo para a humanidade é possuir a nobreza virtuosa da RUA DA FRENTE.