PERÍODO SECO Clerisvaldo B. Chagas, 8 de março de 2012 Dia 23 tem lançamento de livro              Quando as águas fortes iam embora, res...

PERÍODO SECO

PERÍODO SECO
Clerisvaldo B. Chagas, 8 de março de 2012

Dia 23 tem lançamento de livro

             Quando as águas fortes iam embora, restavam os poços, as cacimbas, a areia, as ilhas, as moitas, as pedras... O rio era um paizão! Entretanto, nós nos voltávamos mais para os poços. No meu caso, o poço dos Homens. Ali tomavam banho adultos misturados com adolescentes. Muitos adultos nadavam nus sob os olhares desconfiados dos meninos. As pedras do “estreitinho” ficavam repletas. Outros preferiam o “largo” para as apostas de tirar terra no fundo do poço, trocar “sapatadas”, fazer exibimento.
           Sempre que uma pessoa ia tomar banho deixava suas roupas em algum local das pedras.  Alguém pegava as roupas, às escondidas, dava nós chamados “nós de ceará” e urinava em cima; pois os nós bem apertados precisavam do auxílio dos dentes para desatá-los. Daí o maldoso urinar em cima dos nós e divertir-se vendo o dono da roupa meter a boca naquela porcaria.
           Outros batiam nas costas nuas do banhista com uma plantinha chamada “tamiarana”, o que provocava uma coceira infeliz.
           Aos domingos, o poço, como todos os outros lugares do Ipanema, ficava lotado.
           No poço surgiam tipos esquisitos como “Gorila”, feio como o próprio e desengonçado como um chimpanzé. Em terra dava saltos mortais seguidos. Na água enfileirava sapatadas sem mostrar a cabeça na superfície, um verdadeiro espetáculo. Gorila era irmão da Nicinha, menina-moça que nadava como uma piaba; ambos moravam ali pertinho do poço.
          Sempre apareciam lavadeiras no largo, fazendo ouvidos de mercador para as piadas mais grosseiras dos homens. Lavadeiras pareciam não enxergar os nus.
          No inverno eu ficava espiando as andorinhas que voavam sobre o poço, roçando o peito macio nas águas turvas. Elas vinham aos bandos. Rodeavam, sentavam na torre da Matriz de Senhora Santa Ana e passeavam pelos arredores. Eu ficava escutando melancolicamente o cantor da minha rua, Cícero de Mariquinha, quando aparecia por ali cantando com sua voz maviosa “A Pérola e o Rubi”.

(...) No rio Ipanema se joga panela
Galinha doente, rato apodrecido,
Papel higiênico, chapelão roído,
Fezes de esgoto, madeira, tramela,
Calçola de velha, cadeira de tela,
Jogo absorvente de mulher usar,
Cachimbo de coco de negro pitar,
Que alagam com tudo, que cobrem os terrenos,
Pedaços de tangas, camisa-de-vênus
Que o Panema carrega pra beira do mar (...)

* Trechos do livro “Ipanema um rio macho”. (A).




SEI NÃO SENHOR Clerisvaldo B. Chagas, 8 de março de 2012   DIA 23 TEM LANÇAMENTO DE LIVRO   Muito embora não tenha vivido a época, mas vi...

SEI NÃO SENHOR

SEI NÃO SENHOR
Clerisvaldo B. Chagas, 8 de março de 2012

 DIA 23 TEM LANÇAMENTO DE LIVRO

 Muito embora não tenha vivido a época, mas vi registrado em vários lugares, sobre uma limpeza em Alagoas. O jornalista Pedro da Costa Rego, ou simplesmente Costa Rego, assumira o governo alagoano para a gestão, junho de 1924 a junho de 1928. Nessa época, mandavam os coronéis, geralmente com o título vindo da Guarda Nacional ou apenas como apelido dado pelo povo por causa da boa situação financeira reconhecida. Na maioria, os coronéis sertanejos eram senhores proprietários de terras, fazendeiros que gostavam do criatório e adoravam matar gente. Suas fazendas abrigavam, às vezes, até mais de vinte homens armados sempre às ordens para qualquer empreitada sinistra do latifundiário. O coronel tinha prestígio de sobra com os sucessivos governos. No dizer do povo, mandava em tudo na sua região. Casava, batizava, prendia, soltava, dava conselhos, pisas, mandava torturar e matar de acordo com as circunstâncias. Sua cabroeira, capangada, ou jagunçada, garantia o seu sucesso. O coronel, às vezes, media forças com outro, acoitava criminosos e demais tipos de bandidos na fazenda.
          Quando Costa Rego assumiu o poder, iniciou uma limpeza feroz contra a bandidagem no estado. O, então, sargento José Lucena de Albuquerque Maranhão, recebeu ordens para atuar na zona de Viçosa e depois no Alto e Médio Sertão com carta branca. Era para depurar o estado contra valentões, ladrões, cangaceiros e até prender coronéis protetores de bandidos. A limpeza prosseguiu em seu governo com tanto rigor que ninguém sabe quantos foram mortos pela polícia da época. Um escritor afirma em livro que Lucena eliminara mais de mil pessoas, muitos à beira da própria sepultura, cavadas por eles mesmos. Costa Rego afirmava na sua coragem e truculência que queria o homem de bem livre de ações marginais para viver sem medo na sociedade. O aperto descomunal em Alagoas foi tão consistente que os atos do governador foram parar no Senado e ali o jornalista compareceu para se defender. O próprio Lampião, diante de tantas prisões e “sumiços” em seus coiteiros, mandou recado desafiador: “Diga a ele que eu salto riacho quanto mais rego”.
          Atualmente, com tantas leis sobre Direitos Humanos, os bandidos vão se saindo maravilhosamente bem. Quando são presos a Justiça solta, quando não soltam, eles são encarcerados em cadeias de isopor. Multiplica-se geometricamente a bandidagem sem predadores que sofrem os apertos dos “defensores da vida”. O bravo Lucena, que chegou a coronel e comandou o 2ª Batalhão de Polícia em Santana do Ipanema, contra o cangaceirismo, parece fazer falta à sociedade moderna onde o marginal comanda. A brandura das leis incentivam os maloqueiros para o crime, pois, para eles, o trabalho é coisa de otário. É assim que o sangue escorre todos os dias pelas páginas inteiras dos jornais; inteiras, digo, tirando as putarias que a eles fazem concorrência. Sei não. Onde tudo vai parar, SEI NÃO SENHOR.

LIVRO ABERTO                      Clerisvaldo B. Chagas, 7 de março de 201 AGUARDE O DIA 23 Contam os mais velhos que um cidadão que trab...

LIVRO ABERTO
                     Clerisvaldo B. Chagas, 7 de março de 201

AGUARDE O DIA 23

Contam os mais velhos que um cidadão que trabalhava na roça, não conseguia progredir. Certo dia resolveu fazer como milhares de outras pessoas e partiu para o Juazeiro em busca de conselho. Foi direto ao padre Cícero Romão onde contou a sua vida. O padre respondeu que fosse estudar os astros. Incrédulo, o roceiro indagou como poderia um analfabeto estudar os astros. O famoso taumaturgo teria apenas repetido a frase mandando-o estudar os astros. De volta a casa, o homem começou a meditar sobre o assunto do Juazeiro até que chegou a ele a inspiração de observar a Natureza. A posição e os sinais das estrelas, lua, barra do dia, amanhecer, mais o comportamento dos animais e da flora e assim por diante, embasaram seus estudos. Alguém anotava as suas observações que progrediam até o ponto de fornecerem segurança para suas interpretações. Na época não havia rádio, televisão e bastantes jornais e revistas circulando. A fonte de leitura mais popular eram os folhetos, escritos em versos, capas xilogravadas, sobre temos variados que eram vendidos nas feiras pendurados em cordões; daí os mais modernos chamarem “literatura de cordel”.
           Com esse veículo espetacular, o roceiro iniciou suas previsões sobre invernos, secas, trovoadas, tipos e épocas de plantio. Os autores dos folhetos, também chamados “cordelistas”, declamavam nas feiras os conteúdos sob acompanhamento musical ou não. Depois iam oferecendo o produto de mão em mão para recolherem o dinheiro na caminhada seguinte do passeio pela roda. Foi assim que o homem cresceu com seus conselhos e previsões, conseguindo conforto financeiro publicando outras obras como almanaques anuais que faziam um sucesso extraordinário.
          Seguindo tradição dessa fonte ou de outras parecidas, ainda hoje farmácias tradicionais como a “Vera Cruz” em Santana do Ipanema, Alagoas, distribui almanaques em final de ano, para a clientela.
         Esperávamos trovoadas desde novembro, na região santanense, e só agora (ontem) chegou a nossa terra um pé-d’água razoável. Estamos precisando de um profeta popular para nos dizer se vai haver inverno e se bom inverno. O homem que sabe ler a flor do mandacaru, as cheias do Ipanema, o ninho do joão-de-barro, o círculo da Lua, a posição da Papa-Ceia... Está fazendo falta ao sertanejo que depende diretamente do tempo. Para quem quer aprender a ler, a natura é LIVRO ABERTO.