SÓ TEM BODE Clerisvaldo B. Chagas, 5 de fevereiro de 2021 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.465 Ainda nos anos 60 a c...

 

SÓ TEM BODE

Clerisvaldo B. Chagas, 5 de fevereiro de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.465




Ainda nos anos 60 a carne de bode era bastante desvalorizada. No geral, só quem apelava para essa proteína eram as pessoas de menor poder aquisitivo. Todavia aí não estava incluída a chamada buchada, prato cobiçado por todas as classes sociais. Até havia escolha quando a preferência pelo bode superava a buchada de carneiro, diziam os entendidos. Cantava o forrozeiro:

“Eu faço uma buchada

De bucho de bode

Que o cabra come tanto

Que mela o bigode...”

 

Também eram consideradas coisas para trabalhadores braçais, o charque e o bacalhau que hoje concorrem com o preço do ouro. O bacalhau era alimento dos escravos. O charque era servido aos “batalhões” nos roçados. Mas voltemos ao nosso bode pai de chiqueiro do dia a dia.

Três ou quatro hotéis havia em Santana muito procurados pelos viajantes, assim chamados os caixeiros-viajantes que chegavam de Maceió e Recife para vender seus produtos na Praça. Para economizar, sempre surgiam os que procuravam hospedarias mais humildes como a de dona Rosa no perímetro das feiras semanais. Vez em quando ficávamos sabendo o que se servia nessas pensões pelo humor de algum viajante presepeiro:

 

“Seu Mané como é que pode

Seu Mané como é que pode

Na pensão de Dona Rosa

Só tem bode...

Só tem bode”.

 

Atualmente desapareceu o caprino no médio sertão. “Dar trabalho se criar o bicho pulador de cerca e de pouco rendimento na panela”, falam os criadores de ovinos.  Mas o Candinho da novela das seis, ao procurar um bode para a sua cabra Ariana, parece despertar o apetite pelo bode assado e a buchada sertaneja. Enquanto o dono das cabras está sendo promovido em cidades como Petrolina, Picuí e Recife, de gado miúdo só temos o carneiro para agradar ao turista.

Por favor, não botem a culpa, porém, em DONA ROSA...

Venda de bode (Foto: g1.globo.com)

 

 

  A BOLA DO FINADO Clerisvaldo B. Chagas, 4 de fevereiro de 2021 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica/conto 2.464 O Estádio A...

 

A BOLA DO FINADO

Clerisvaldo B. Chagas, 4 de fevereiro de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica/conto 2.464





O Estádio Arnon de Mello, em Santana do Ipanema, Alagoas, está situado ao lado do Cemitério Santa Sofia, parte alta do Bairro Camoxinga. Recebeu o nome do, então, governador em troca de vários milheiros de tijolos para cercar a praça esportiva. Acordo firmado, hoje em dia a murada anda precisando de reforma para mais segurança dos transeuntes da área.

Certa feita, houve um jogo muito importante. A torcida lotava o estádio, inclusive, havia muitos desportistas até em cima do alto muro que separa o cemitério do estádio. O Ipanema, costumeiramente, sempre foi um time orientado para bola rasteira e rápida, porém, desta feita um zagueiro mandou a bola violentamente para o espaço fazendo com que ela caísse no Cemitério Santa Sofia.

A torcida ficou irritada porque isso atrasaria o jogo, pois, na época, jogando com uma bola só, era preciso enviar um funcionário do campo para rodear pela rua, entrar no cemitério, procurar entre os túmulos e trazer de volta a pelota. Mas eis que um milagre aconteceu. Abola retornou do mesmo jeito que havia deixado o campo. Com o acontecimento inédito, houve uma debandada dos torcedores que estavam encostados ao muro. O bandeirinha saiu em disparada se benzendo e erguendo as mãos aos céus.

O segundo acontecimento foi ainda mais espetacular. O Ipanema jogava um amistoso com um time do Agreste quando um zagueiro, sufocado com o ataque adversário, deu um chutão que a bola subiu e parecia não querer voltar ao solo, foi para nos fundos do cemitério. Após cinco minutos de jogo paralisado, chega o vigia do cemitério e devolve a bola dizendo: “O finado Zé Bodó mandou dizer que se a pelota bater novamente em sua cruz rasgará a bola”. E como Zé Bodó havia morrido há pouco meses, o treinador que recebeu a bola de volta teve uma tremedeira na hora e uma diarreia momentânea, despachada nos recantos do estádio.

Seria o Benedito!

CEMITÉRIO SANTA SOFIA CONSTRUÍDO ENTRE 1942 E 1945. (FOTO: B. CHAGAS/LIVRO 230).

 

  NOVOS TEMPOS, NOVOS ESQUECIMENTOS Clerisvaldo B. Chagas, 3 de fevereiro de 2021 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.463 ...

 

NOVOS TEMPOS, NOVOS ESQUECIMENTOS

Clerisvaldo B. Chagas, 3 de fevereiro de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.463

 



Quando o rio da cidade não tinha ponte era um grande sufoco para a mascateação pelas cidades próximas de Santana do Ipanema.  As enormes caixas de mercadorias dos mascates, quase sempre atravessavam o rio em canoas com seus respectivos donos. Essa prestação de serviço acontecia no poço do Juá, ponto mais largo do Ipanema, bem próximo ao comércio local.  Mas ainda havia prestação de contas com o riacho João Gomes, afluente do Ipanema, que também nos fortes invernos não dava passagem aos caminhões dos mascates. A 3 km do centro de Santana, o valente riacho cortava a rodagem tornando-se obstáculo sério aos negociantes. Muitas vezes a corrente surpreendia os feireiros à tardinha na volta a Santana das feiras de Olho d’água das Flores, Carneiros e Pão de Açúcar.

Horas e horas se passavam com a fila dos caminhões procurando transportar as mercadorias de um lado a outro do riacho e suas cheias. Não me vem à lembrança como os motoristas conseguiam transportar aquelas caixas pesadas de madeira margem a margem. Mas se nada fosse feito, estariam sujeitos à espera de dois, três dias, para que o João Gomes desse passagem novamente. Essas tentativas que se iniciavam ao cair da tarde, prolongavam-se noite a dentro. Imaginem a que horas os mascates chegavam aos seus lares após o riacho João Gomes e o rio Ipanema com as canoas do Juá! E se havia um certo romantismo nessa época, as dificuldades superavam os sonhos das aventuras. Tempos dos “cassacos de rodagens”, homens que trabalhavam fazendo e consertando estradas.

Nessa época Santana do Ipanema era rica em manufatura e exportava couros, peles, calçados, sola, aguardente, vinagre, colorau, massas comestíveis, cordas, caroço e capulho de algodão, móveis, artesanatos utilitários como bicas de zinco e candeeiros de flandres, linguiça, carne de sol e banha de porco. Uma potência depois assassinada pelo descaso administrativo sequencial.

O progresso veio com as construções de pontes sobre o rio Ipanema e sobre o riacho João Gomes. A distância entre cidades diminuiu ainda mais com a cobertura asfáltica sobre a AL-130. Mas o regresso também acompanhou o modernismo acabando com toda a nossa manufatura por conta do que já foi dito acima.

E você que é da nova geração, sabia disso? A história de Santana lhe contou? NOVOS TEMPOS, NOVOS ESQUECIMENTOS.

RIO IPANEMA (FOTO: B. CHAGAS/ARQUIVO).