BARRA NOVA
(Clerisvaldo B. Chagas. 10.5.2010)
Vou olhando o cenário comprometido da Mundaú. Surge o horror da favela de lata, papelão e madeira. Barracos estendem-se ao longo da orla tal pintura surrealista. Quanta miséria e abandono! Quem tanto bombardeou o local? Quem provocou incêndio tão devastador sobre esses indivíduos humanos? Barracos, esqueletos sem cor que degradam e mancham a “cidade sorriso”. Papódromo enferrujado já não pede socorro porque o monumento e os arredores parecem dar os últimos gritos abafados à sociedade. Face cruelíssima de uma capital nordestina. Melhora a paisagem adiante e se vai mesclando até a pista litorânea. Domingo Dia das Mães. O trânsito está muito vivo pelos arredores da cidade. Todos querem o mar, as lagoas, as barracas. Guardas apitam as margens do asfalto e a fila coleia pelo terreno cinza. O verde do mangue não parece tão verde. Barro vermelho cobre o branco de um alargamento. E os carros prosseguem avançando com fome de terreno, famintos de espaço. Muitos seguem para Marechal Deodoro, outros mergulham nos declives de acesso ao povoado Barra Nova. Muda o cenário pelas ruas estreitas de calçamentos vencidos. Mansões concorrem satisfeitas depois de jantarem a vegetação nativa, antes viçosa, virgem, pura natureza. E lá no recanto, ao fundo de todas as ruazinhas, os automóveis se imprensam pelas curvas cheias de rudes palhoças que produzem a culinária alagoana. Todos buscam o pirão de peixe, o róseo dos camarões, o incolor da aguardente. Multidão espalha-se pelas cadeiras fortes; servidores fardados e suarentos equilibram bandejas e o vozerio mistura-se aos sons eletrônicos. O azul ondulante das águas acalma os olhos. O Sol queima as areias da restinga, lá do outro lado; e o bem-te-vi do mangue canta igual ao colega do Sertão.
O Dia das Mães parece acontecer no mundo inteiro. Somente quando aterrissam pratos fumegantes, a fome domingueira parece se acalmar. Terrinas à vista, cardápios perdidos, mães felizes, cheiro de limão pelas narinas excitadas. Dá-se o ataque de garfos aos miolos sedutores. Parabéns ficaram para trás, presentes guardados, abraços esquecidos. Sons espalhados acompanham as cores que desaparecem rapidamente da mesa rústica.
Meu Sertão, meu Sertãozinho cai no esquecimento diante das evidências. Vão-se as lembranças dos vales, dos serrotes, dos riachos vazios, secos, repletos de areia grossa. E a Barra Nova vai matando os desejos de estômagos estrangeiros, brasileiros, nativos... Sertanejos. Vamos continuando a faina sob o Sol tropical pleno de azul que ilumina águas, vegetais e homens. É sim, hoje Dia das Mães... Tem que ser repetido mais algumas vezes. Os raios vão tombando rumo ao poente e vamos deixando o povoado. Hoje é Dia das Mães. Ainda um longo olhar para a restinga imensa e o adeus disfarçado para BARRA NOVA.
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