A ZEBRA DO HOMEM FEIO               Clerisvaldo B. Chagas, 05 de julho de 2011 Lembro que em minha época como pesquisador do IBGE, fom...

A ZEBRA DO HOMEM FEIO

A ZEBRA DO HOMEM FEIO
              Clerisvaldo B. Chagas, 05 de julho de 2011



Lembro que em minha época como pesquisador do IBGE, fomos a um treinamento em Maceió. No alojamento estavam reunidos colegas de várias cidades do interior. Histórias e piadas iam amenizando a dureza da hospedagem. No meio desses pesquisadores, havia um cabra bom danado, das bandas de Igreja Nova, alto como um coqueiro, feio igual à castanha e, brincalhão tal Costinha. No para-brisa traseiro do carro, havia um adesivo daquela zebra da televisão, dos jogos lotéricos. Entra conversa e sai conversa e o feioso revela que estava ameaçado de morte, porque um dos candidatos a prefeito da sua cidade havia perdido a eleição. Quando a rural surgiu com o adesivo da simpática zebrinha, o ex-candidato ficou brabo e iniciou com as suas ameaças. Mesmo assim o homem feio estava tranquilo a contar anedotas sem parar. Um sujeito da Viçosa, da boca escura, não parava os risos com as presepadas do castanha.  Quanto à política, era impressionante como um simples animalzinho pintado provocara tanta ira no coitado perdedor.
           As denominações de lugares nas cidades e nos campos puxam muito pelos vegetais. No caso dos humanos, os jogadores de futebol levam a preferência nos apelidos dos chamados bichos brutos. Alagoas mesmo tinha os jogadores Aranha e Catenga. No Flamengo antigo havia o Pavão, no Ipanema, Carneiro. Na seleção brasileira feminina temos a Formiga e, lá nos outros pedestais, surgem os famosos do momento que formam a dupla do terreiro da roça, o Pato e o Ganso. Para orientar os outros, sacaram de campo o Leão e a ele deram o comando do timaço. Além disso, ainda tem o time do Peixe, o do Urubu e a Seleção Canarinho que representa o nosso país na Libertadores. Com o reino animal em alta, poderíamos até dizer que temos uma seleção pai-d’égua. Vamos, então, sonhando como os viciados fazem às vésperas do jogo do bicho. Assim muita gente do ramo deve ter apostado no Cachorro no dia seguinte à partida Brasil e Venezuela, ante o profético passeio daquele Cão pelo gramado. Não sei se cachorro é da sorte ou do azar, mas os tradicionais falam que significa dinheiro para você, ao vê-lo defecando a sua frente. Nem sei também se o dinheiro que falam é real de verdade ou aquilo mesmo que o cachorro está depositando adiante, em linguagem figurada.
           Quando, nós brasileiros víamos a estreia da seleção, mesmo ressabiados, ainda havia um pouco de esperança nos animais Pato e Ganso. Sendo uma seleção, teria que voar por ser canarinho e, ser forte como um touro por ser brasileira. À medida que o tempo passava e a Venezuela fechava portas e janelas, diminuía em nós a esperança de um jogo de bicho envolvente, dono de todas as apostas da torcida para quebrar a banca; no mínimo, o jogo de Marta e da Formiga. No final de tudo, além da tristeza, volta a decepção sobre os bichos e banqueiro, ao deixarmos o estádio com cara de “maria”. Nem leão, nem “trigue”, nem “alufante”. Somente o cenho medonho, zangado, ameaçador de quem viu A ZEBRA DO HOMEM FEIO.

DEVAGAR E FRANCO Clerisvaldo B. Chagas, 04 de julho de 2011 Cada presidente tem uma característica física ou social sempre aproveitada...

DEVAGAR E FRANCO

DEVAGAR E FRANCO
Clerisvaldo B. Chagas, 04 de julho de 2011


Cada presidente tem uma característica física ou social sempre aproveitada pelos humoristas das diversas linhas do humor. Apenas como alguns poucos exemplos, temos Floriano que se destacou pela coragem; Getúlio, pela ambição e sagacidade; Juscelino, pela visão de desenvolvimento; Castelo Branco, pela moral e falta de pescoço; Costa e Silva, pela falta de tutano; Geisel, pela crueldade; Figueiredo pela cavalice; Color, pela empáfia e Itamar pela vagareza nas palavras, decisões e, fisicamente, pelo seu topete. Assim, o mar de coisas engraçadas vai banhando os que encontram a comédia nos mais sérios dos gabinetes. Itamar visto por esse ângulo, chegava a irritar os telespctadores com suas palavras demoradas ou por suas decisões no mesmo rítmo. Era por isso que os comediantes substituiram o seu nome “Itamar Franco” por “Itamar Devagar Franco”. Além disso, as voltas naturais dos seus cabelos ─ que ele fazia questão de conservar para não aparecer com a fronte calva ─ alimentavam aqueles tipos da profissão. Desse modo, o presidente aparecia mais para as brincadeiras do que para coisas sérias.
           Mas havia por trás desse aspecto irritante e cômico, um homem honesto, sério, direito, cujo período na presidência não foi envolvido com escândalos. Quando Collor foi afastado do governo, Itamar, como vice, assumiu a presidência interinamente no dia 02 de Outubro de 1992. O Brasil vivia uma fase de inflação altíssima. Itamar saiu trocando ministros da economia até chegar à vez de Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda. Em abril de 1993, o governo realizou uma forma de plebiscito para o sistema de governo no Brasil. Pelo povo, foi mantido o modelo republicano e presidencialista. Através de Edmar Bacha, o governo Itamar lançou o Plano Real, em 1994. O plano estabilizou a economia e acabou com a crise hiperinflacionária. O sociólogo Betinho ajudou Itamar no combate à miséria. Não se pode dizer outra coisa sobre Franco, um homem sério e correto em tomar decisões. Dizem que talvez tenha sido o único  governo republicano livre de escândalos de corrupção. Posteriormente apoiou Fernado Henrique à presidência, mas discordou de várias coisas de Henrique.
           Quem elogia sua postura de homem público tem razão. Governou mesmo o país em situação delicada e conseguiu vencer.  Sua carreira aberta foi brilhante, deixando esse exemplo para os políticos brasileiros que vale à pena entrar na história como homem de bem. Precisamos de governantes que honrem a dignidade e se mantenham longe da corrupção, arma poderosa destruidora de caráter. Entretanto, apesar de tudo, o presidente não deixou apagar a imagem característica do topete e das brincadeiras do DEVAGAR E FRANCO.

O DIA DA ENTREGA Clerisvaldo B. Chagas, 1º de julho de 2011 . Mesmo com o escuro os pardais iniciam a orquestra da madrugada sem ligaçã...

O DIA DA ENTREGA

O DIA DA ENTREGA
Clerisvaldo B. Chagas, 1º de julho de 2011.



Mesmo com o escuro os pardais iniciam a orquestra da madrugada sem ligação aparente com a falta de energia, às duas e meia, ainda da festa de São Pedro. Julho amanhece nublado com aquela frieza dos antigos invernos sertanejos. E assim ─ na linguagem singela da roça ─ o bastão do mês é passado em alto estilo invernoso de festas, diversões e fartura. Um período de chuvas regulares permitiu um ano rico em precipitação generosa, de sementes na hora certa, de boa circulação do real pelos prados, povoados e cidades. Os campos tornaram-se, cheirosos, atraentes. Encheram-se os barreiros, vigoraram-se os pastos, arredondaram-se os animais. Nos partidos de catingueiras as abelhas zumbem e enriquecem o mel. Os pássaros alegram-se na louvação ao Sol que rompe a neblina da aurora. Cantam as águas serenas dos tortuosos riachos no doce encanto do inverno nordestino.
        A raposa dormita na toca do pedregulho. Pula o preá “lampreiro” no lajeado farejando o mundo. Sacode as asas o gavião-carijó. Estica o canto mensageiro o galo velho da fazenda na cabeça da estaca. Bichos peçonhentos enroscam-se nos esconderijos sem gosto pela frieza. O sereno matutino derrete o barro da tapera do caboclo pobre. Pelos lajeiros esbranquiçados, fios d’água prateiam a face molhada, jardim suspenso da coroa-de-frade, urtiga peluda, macambira de flecha. No meio do roçado afia o bico o carcará nos galhos da aroeira morta. E o céu leitoso, infinito, gelado, sente frio e chama o mês de julho.
       Na cidade os pardais insistem nos anteparos dos sobrados; no campo aberto a fauna se retrai. Banham-se as folhas com o transparente orvalho, enquanto as pontas dos galhos enegrecidos balançam a friagem que se impõe. E no chão rendado, o doce ruído das gotas serenadas fazem minúsculas barrocas na areia fina. Lá na forquilha da baraúna, a casinha do joão-de-barro continua virada para o poente.
       É nessa sabedoria multiforme que Senhora Santa Ana recebe o mês de julho, o mês da magia sertaneja. Que os ventos julianos tragam bons fluidos quando junho traz o seu irmão para O DIA DA ENTREGA.