JUMENTOS, BURROS E GASOLINA Clerisvaldo B. Chagas, 28 de maio de 2018 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica 1.910 Seu Ma...

JUMENTOS, BURROS E GASOLINA


JUMENTOS, BURROS E GASOLINA
Clerisvaldo B. Chagas, 28 de maio de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.910

Seu Marinho era poderoso comerciante de secos e molhados. Negociava no “prédio do meio da rua”, onde seu armazém tinha de tudo, desde a ximbra colorida ao arame farpado e querosene. Viera do campo, após uma passagem de Lampião pela sua propriedade. Possuía fazendas e terrenos. E eu como rapazinho, ainda, sonhava um dia comprar a ele a casa e aquelas terras vizinhas à olaria de seu Piduca. Namorava sempre a casa modesta à margem do rio Ipanema, vista da residência de meus pais. Mas seu Marinho também possuía outro terreno na colina, hoje perto do posto de saúde do Bairro Floresta. E nas minhas andanças para o curso de Admissão na Ponte Padre Bulhões, sempre admirava aquela casa de alpendre. “Ah, se um dia pudesse comprar uma das duas!”.
Virei adulto e ouvia dos outros que Seu Marinho não vendia nada do que possuía, apenas os produtos do armazém. “Não me desfaço de nada, nem de um jumento; amanhã posso precisar”, dizia ele. Virei fiel desistente de ambas as coisas. E de fato, alguns bens do comerciante somente foram vendidos após a sua partida.
E como seu Marinho estava certo, atualmente precisamos de cavalos, burros, jumentos e carros de boi, para transportar – que ironia! – gasolina, querosene, leite, mulher para a maternidade, menino para a escola... E tudo, enfim. O boi, o jegue, o burro, o carro de boi, nunca obstruíram estradas e nem entraram em greve. Bichinhos! E agora, comadre, o que fazer com o trem, com o carro de luxo, com o iate, o aviãozinho progressista? E o “babau” que andava perambulando pelas rodovias, sem valer “um conto”, virou peso de ouro para transportar o que o “caminhãozão” nesta greve pai d’égua não carrega: são as coisas da fazenda, o estudante, o leite e o pão.
Sem combustível para ir ao trabalho, botei um bom dinheiro num burro movido a óleo, não o óleo diesel, mas óleo de milho mastigado, querido leitor.
É a greve, irmão, que veio para sentir o pensamento tortuoso do brasileiro moderno. Aí vamos retornando aos transportes antigos dos nossos avós; aqueles que nós já os tínhamos aposentado, menos os de Seu Marinho, é claro, kkkkkkk!


ZÉ CHAGAS E OS CAIXÕES DE DEFUNTO Clerisvaldo B. Chagas, 25 de maio de 2018 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica 1.909 CAR...

ZÉ CHAGAS E OS CAIXÕES DE DEFUNTO


ZÉ CHAGAS E OS CAIXÕES DE DEFUNTO
Clerisvaldo B. Chagas, 25 de maio de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.909
CARTAS. (IMAGEM: DOMÍNIO PÚBLICO).
Já abordamos este assunto. Animando as cidades do interior, nunca faltam alguns gaiatos nas comunidades. Em Santana do Ipanema, o individuo Zé Chagas alegrava o ambiente quando chegava trazendo sua verve para brincadeiras. E se tivesse tido antes de falecer, a ideia de andar com um pajem para anotar os seus feitos, por certo teria publicado um livro humorístico de muitas e muitas páginas. Explorava casas de jogatina e, por ter um gogó acentuado, parecia um urubu.
 Foi lá no Beco de São Sebastião, na casa da esquina, cujo prédio já tinha sido muitas coisas e naquele momento abrigava o baralho. Nós, os meninos, brincávamos zoadentos sobre uma janela com meia tala, numa noite de festa de Senhora Santa Ana, a padroeira. Fui um dos atingidos por um balde d’água jogado pela janela. Havia sido jogado por Zé Chagas, o comandante da casa.
Já rapaz feito, vi sentado à porta fechada da nossa loja, dois negros altos conversando baixo: Filemon, ex-cangaceiro e Zé Preto, o manganheiro que construiu um oratório na croa da pedra do sapo, no rio Ipanema. Para todos os mortais, nada. Mas para Zé Chagas que vai passando, lembra um pássaro preto do sertão e exclama com toda maledicência: “Espia onde está um casal de anum”, e aponta para ambos.
E quando um amigo indaga a outro se acha Zé Chagas muito feio, o cabra responde: “Eu só não acho porque já me acostumei com ele”.
Assim chegou a cartomante Maria Galega, oferecendo seus préstimos e deitou cartas para Zé Chagas, quando abriu a sessão: “Estou vendo ouro na sua vida”. E o gaiato respondeu na bucha: “Só se for ‘ourina’, Maria”.
Quando o dono da casa de caixões de defuntos quis dá uma saidinha, pediu a Zé Chagas que tomasse conta que “ele chegaria já”. E Chagas, que atuava defronte com a casa de jogo “O Bafo da Onça”, prontificou-se em atender ao amigo. Eis que chegam pai e filho para comprar um caixão. Vão perguntando o preço e Zé Chagas dizendo. De repente o viúvo indaga se ele faz um preço menor no ataúde. Zé Chagas não mede consequência e liberta sua verve gaiata: “Só faço menor preço se o amigo levar dois”.
E o primo “véi” só não levou uma surra das maiores por causa da turma do deixa disso.
Deve estar brincando por aí, na outra dimensão.






BULHÕES, O REVERENDO Clerisvaldo B. Chagas, 24 de maio de 2018 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica 1.908 INTERIOR DA MA...

BULHÕES, O REVERENDO


BULHÕES, O REVERENDO
Clerisvaldo B. Chagas, 24 de maio de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.908

INTERIOR DA MATRIZ DE SENHORA SANTA ANA. FOTO: (B. CHAGAS).
Ontem conversamos com um grupo de amigos sobre o padre Bulhões. E para que essa conversa fosse prorrogada e sólida, resolvemos abrir este espaço para os irmãos Araújo, do livro “Santana do Ipanema conta sua história”, cujo texto é mostrado na íntegra:
“O Cônego José Bulhões dedicou-se de corpo e alma à salvação do seu rebanho bem numeroso, espalhado por regiões bem distantes da sua Paróquia. Costumava viajar para elas semanalmente, montado numa burra que o compreendia tão bem, que, ambos, no rnodo de dizer popular ‘se falavam’... Frei Damião fazia pregações tão vibrantes e convincentes no combate aos preguiçosos e, sobretudo, aos unidos sem as bênçãos de Deus, que aos sábados, acorriam à Catedral de Nossa Senhora Santa Ana para se casarem pelas mãos do padre Bulhões bom e generoso. O povo sertanejo é por índole católico e temente aos castigos de Deus, e não quer assim, morrer, penar nas profundas do Inferno...
É voz corrente que o reverendo viera dirigir os destinos de nossa Paróquia pelos idos de 1921, e nunca mais se separara dela; aqui viveu e aqui morreu na mesma santidade por todos reconhecida e respeitada. Era um homem enérgico e de grande coração, e sua maior alegria era ter sua casa cheia de pessoas às refeições, viessem de onde viessem; nunca perguntava de onde vinham e para onde iam. Era comum não haver acomodações para abrigar caixeiros viajantes e pessoas que se destinavam a outras regiões e, por isso, ele os convidava para sua casa, que era um casarão onde não faltava nada. Gostava de fazer amigos e os tinha às centenas; daí, o grande prestígio no seio do povo e nos meios políticos. Fora até convidado para dirigir os destinos da cidade e não aceitou. Pedia pelos pobres de alma que, vez por outra, estavam às voltas com a polícia, e era sempre atendido. Ao morrer, cidade e povo lhe tributaram imorredoura homenagem e, para perpetuar sua memória, foi erigido um busto defronte da Igreja (hoje Catedral), onde ele trabalhou durante toda sua vida”.
MELO, Darci de Araújo & MELO, Floro de Araújo. Santana do Ipanema conta a sua história. Rio de Janeiro, Borsoi, 1976. Págs. 54-55.