VELHO CRUZEIRO
(Clerisvaldo B. Chagas, cinco de agosto de 2010)
Vou novamente subindo lento e solitário a trilha do serrote. Agora a capoeira é verde. Galhos se debruçam nos degraus de cimento e pedra. O silêncio resmunga na indefinição de um ruído, no farfalhar quase imperceptível de folhas, no som longínquo da cidade. Meia volta no corpo, nivelar de cabeça, trena nos olhos. Novo fôlego no aclive longo, no fim dos batentes, na terra banhada e nua. Rachões nos pedregulhos, garranchos de caminho e a sensação estranha de está sendo olhado, acompanhado, fotografado. Ali está, por entre espaços da folhagem, ali está. Ele, o velho cruzeiro de madeira resistindo ao tempo. Braços abertos abençoando casas tão longe e de longe tão perto, beijando-lhes os pés, pedindo-lhes a bênção. E eu vou pisando no lajeiro enorme, contando as passadas, flutuando no Sinai da minha terra. Sento-me na calçadinha da capela e acompanho o abraço de amor a urbe de Senhora Sant’Ana. Uma vigilância eterna de considerável afeto. Serras do Poço, Camonga, Macacos, Remetedeira... Lá se vai o fio d’água barrenta seguindo o destino, como o destino da gente. A torre da Matriz quer competir, mas não tem altitude. Berra o sino no protesto longo contra o concorrente natural. E me vem às narinas o perfume agreste de mato verde. Como é bela a imponência da cruz! Alastrados, urtigas, macambiras, vão fazendo o cinturão de segurança ao símbolo deixado pelos homens.
Antigo morro da Goiabeira, receptora energética do alto, jorro de fé dos que te escolheram entre os montes. Ah! Vejo as pessoas simples fazendo promessas, tijolos à cabeça, bandas de música a tocar. E os chapéus de palha, e os pés descalços e o espocar de foguetes. Onde estão as multidões que procuravam as alturas para a comunhão com Deus? Por que você está sozinho depois de curar tantos e tantos males dos que vieram após agradecer? Como notar Santa Terezinha trancada aí dentro, espelho quebrado, protegida por marimbondos? Que malvadezas fizeram com o Cristo que iniciou profanado num alto que não era de confiança. E onde estava a confiança, por que deixaram o Mestre e carregaram a fé? Não foi assim que recomendei esse lugar.
Depois de longas e longas espiadelas pelos arredores, deixo o cimo e vou degustando a descida numa lentidão de quem perde alguma coisa. Onde eram as estações de via-sacra? Não vejo marco nenhum. É verdade, mato não precisa de vias-sacras. Mato reza sempre ao sopro do vento nas manhãs fagueiras, nas noites de lua ou na escuridão enigmática de inverno. Vento sempre reza, Seu Clero! Sabia não? E nas faldas do serrote, misteriosamente desaparece a multidão que acompanhava os atores nas semanas santas. Brigas de padres não permitiram a sequencia do teatro da paixão no lugar apropriado. E lá da outra margem do rio, dos quintais da Rua Antonio Tavares, volto-me, imaginariamente aponto para a igrejinha do serrote e digo que ali estive. Nada resolvi para o morro da Goiabeira. Mas por certo as boas energias irão fazer muito por mim. Não pretendo deixar de visitar de vez em quando o cimo sagrado do VELHO CRUZEIRO.
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