MIRAGEM
DA SERRA
Clerisvaldo B.
Chagas, 2 de dezembro de 2014.
Crônica Nº 1.315
Hoje, aniversário do autor, passemos a palavra ao conterrâneo escritor, Oscar Silva.
"Santana do Ipanema é
uma cidade toda cercada de elevações. Subindo-se o cimo do morro do Cruzeiro e
tentando-se daí abranger, em rápida olhadela, o horizonte em frente e aos
lados, vê-se a cidade como que na focal de uma elipse começando à esquerda na
serra da Barriguda e passando pela serra Aguda, Remetedeira, Caiçara, Poço,
Serrinha, Pelado, Camonga, Gungi, Macacos, serrote e Gonçalinho, para fechar-se
aos próprios pés do observador.
Em sua maioria,
porém, esses montes não passam de simples elevações de uma caatinga cheia de
cactos e arbustos rasteiros, sujeita a todas as mutações climatológicas do
sertão nordestino: enverdece-se nas épocas chuvosas e fica ressequida, seminua
ou despida nos períodos estivais. Algumas, todavia, como a serra do Poço e o Gungi,
são verdadeiros oásis suspensos, a lembrar celeste Nabucodonosor construindo
ali um segundo Jardim de Babilônia.
Há flagrante
contraste entre a vida da capoeira e a da serra do Poço ou do Gungi. Dessas
duas elevações descem para a cidade, nos grandes estios, cargas de água
cristalina como os santanenses não possuem mesmo nos dias invernosos. E descem
as boas frutas, a jaca, a manga de qualidade, a laranja doce, a jabuticaba e a
cana caiana de gomo de palmo e meio. Desce o melado, desce a rapadura e desce o
alfenim de engenhocas que o homem da capoeira só conhece quando tem coragem de
subir a serra.
A serra é como um
pedaço de mata que um cataclismo arrancou e atirou no meio do sertão. Quem, a
cavalo ou a pé, começa a galgar-lhe a íngreme subida, vai observando, de um
lado e outro do caminho, vegetação bem diferente da que viu até há pouco na caatinga.
Cedros, perobas, amarelos quase gigantescos erguem os braços onde pousam
cigarras que não sibilam, mas soltam um como longo apito de navio que trouxesse
do mar o seu adeus ao sertão. E lá em cima o vento sopra e ulula dia e noite,
nas folhas daquelas, ora cantando, ora assoviando e fazendo pensar num ser
invisível que estivesse a ornar tudo aquilo por simples capricho de senhor
feudal.
E se, ao contemplar
esse mundo diferente, o indivíduo se volta dos meios da ladeira, vê em baixo a
caatinga de arbustos tortos e mirrados, como a dizer estar nela o sertão
verdadeiro, a realidade em contraposição àquele verdor, àquela figurada
abundância que não passa de simples miragem no meio do Saara nordestino".
(SILVA, Oscar. Fruta de palma; crônicas nordestinas.
Maceió, Caetés, 1953).
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