terça-feira, 2 de dezembro de 2014

MIRAGEM DA SERRA



MIRAGEM DA SERRA
Clerisvaldo B. Chagas, 2 de dezembro de 2014.
Crônica Nº 1.315

 Hoje, aniversário do autor, passemos a palavra ao conterrâneo escritor, Oscar Silva.


"Santana do Ipanema é uma cidade toda cercada de elevações. Subindo-se o cimo do morro do Cruzeiro e tentando-se daí abranger, em rápida olhadela, o horizonte em frente e aos lados, vê-se a cidade como que na focal de uma elipse começando à esquerda na serra da Barriguda e passando pela serra Aguda, Remetedeira, Caiçara, Poço, Serrinha, Pelado, Camonga, Gungi, Macacos, serrote e Gonçalinho, para fechar-se aos próprios pés do observador.
Em sua maioria, porém, esses montes não passam de simples elevações de uma caatinga cheia de cactos e arbustos rasteiros, sujeita a todas as mutações climatológicas do sertão nordestino: enverdece-se nas épocas chuvosas e fica ressequida, seminua ou despida nos períodos estivais. Algumas, todavia, como a serra do Poço e o Gungi, são verdadeiros oásis suspensos, a lembrar celeste Nabucodonosor construindo ali um segundo Jardim de Babilônia.
Há flagrante contraste entre a vida da capoeira e a da serra do Poço ou do Gungi. Dessas duas elevações descem para a cidade, nos grandes estios, cargas de água cristalina como os santanenses não possuem mesmo nos dias invernosos. E descem as boas frutas, a jaca, a manga de qualidade, a laranja doce, a jabuticaba e a cana caiana de gomo de palmo e meio. Desce o melado, desce a rapadura e desce o alfenim de engenhocas que o homem da capoeira só conhece quando tem coragem de subir a serra.
A serra é como um pedaço de mata que um cataclismo arrancou e atirou no meio do sertão. Quem, a cavalo ou a pé, começa a galgar-lhe a íngreme subida, vai observando, de um lado e outro do caminho, vegetação bem diferente da que viu até há pouco na caatinga. Cedros, perobas, amarelos quase gigantescos erguem os braços onde pousam cigarras que não sibilam, mas soltam um como longo apito de navio que trouxesse do mar o seu adeus ao sertão. E lá em cima o vento sopra e ulula dia e noite, nas folhas daquelas, ora cantando, ora assoviando e fazendo pensar num ser invisível que estivesse a ornar tudo aquilo por simples capricho de senhor feudal.
E se, ao contemplar esse mundo diferente, o indivíduo se volta dos meios da ladeira, vê em baixo a caatinga de arbustos tortos e mirrados, como a dizer estar nela o sertão verdadeiro, a realidade em contraposição àquele verdor, àquela figurada abundância que não passa de simples miragem no meio do Saara nordestino".
(SILVA, Oscar. Fruta de palma; crônicas nordestinas. Maceió, Caetés, 1953).

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