OS
DENTES E O LADRÃO
Clerisvaldo B. Chagas, 6 de julho de 2015
Crônica Nº 1.443
Foto: (pandeiro/divulgação). |
É aquele dia difícil que nos pega de
surpresa. Motoristas de buzão permitem a subida de ambulantes para aporrinhar
ainda mais o trajeto sofrido dos passageiros. E naquela cantilena toda você deseja
mais do que nunca chegar a sua casa. Eis que de repente tem acesso ao interior
do coletivo, dois cabrinhas baixos, novos e papudinhos. Trata-se de uma dupla
de embolares com pandeiro à mão. Querem
ser rápidos de um ponto de ônibus a outro, elogiando os passageiros em busca de
trocados. Enquanto o primeiro fica na marcação (estribilho de uma linha só) o
outro repentista vai elevando as qualidades fictícias dos passageiros em
ligeiras estrofes de quatro versos (quadrinhas). Uns contribuem, outros não.
A máquina fotográfica vai comigo, mas o
enfado não me anima em nada.
O repente do embolador é diferente do repente
do violeiro, pois é desleixado na rima, repetitivo e pobre nas terminações.
Entretanto, são bons no ritmo e na métrica. O maior valor, contudo, das duas
correntes, está na criatividade, no falar diferente, no dizer do que nunca
ninguém disse. E foi assim que resolvi deixar de fazer comparações e prestar atenção
na criatividade dos papudinhos de Maceió.
O amarelo fazia os elogios, o moreno fazia a
marcação:
“Vou contar, vou contar...”
A minha espera teve recompensa. Exaltando um
passageiro e outro normalmente, veio à criatividade quando uma senhorita mostrava
um aparelho de correção da dentadura. Diante do silêncio total da plateia
improvisada, o papudinho amarelo, aguardou o moreno:
“Vou contar, vou contar...”
“Essa mocinha
Que escuta os meus repentes
Mandou amarrar os dentes
Pra o ladrão não carregar...”
Foi uma gargalhada só e geral dentro do
coletivo.
Que bela imagem o peste do papudinho foi
buscar! E eu que pensei que o povo não entendesse do riscado.
A moça ficou constrangida, não pagou ao
poeta, mas também não teve os dentes levados pelo ladrão.
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