O TREM DA PALMEIRA Clerisvaldo B. Chagas, 7 de agosto de 2019 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.158 ANTIGA EST...

O TREM DA PALMEIRA



O TREM DA PALMEIRA
Clerisvaldo B. Chagas, 7 de agosto de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.158

ANTIGA ESTAÇÃO. (FOTO: CRISTIANO SOARES)
          Quem trafega pela BR-316, sobe o cuscuz sobre a antiga linha férrea de Palmeira dos Índios. Quem conhece a história lança de cima do viaduto, um olhar comprido para as terras planas Palmeira – Arapiraca e vê. Ver na mente um trem deslizando pelas planuras em busca do São Francisco, em busca do Porto Real de Colégio. Época de ouro em que os trens cortavam o vale do Paraíba do Meio, levando progresso entre os verdes canaviais. Cavaleiros do Sertão galopando até Viçosa em procura do cavalo de ferro no complemento da jornada a Maceió. A ansiedade do povo palmeirense no avanço da linha até Quebrangulo, descendo as montanhas até o centro da cidade. Uma festa e tanto a chegada do trem em Palmeira dos Índios.
          Mas a programação anterior modificada não permitiu sua reta para o Sertão. E a Maria Fumaça quebrou de banda levando rolos de fumo pelo Agreste procurando o “Velho Chico”. Mais uma frustração para o Sertão velho de guerra que deixara escapar o miolo do progresso. Conforma-se em agarrar a rebarba ferroviária. Vem de caminhão a Palmeira e embarca no trem para Maceió. Para quem não tinha nada, qualquer coisa serve. Mas a política do não ao ferro e sim à borracha, também traz a grande decepção para o Agreste. Palmeira dos Índios não dispõe mais do trem. Fica a Maria Fumaça aprisionada em logradouro público, como peça de museu. O trem engolira o caminhão; o ônibus engoliu o trem; as vans engoliram os ônibus.
          E o trem de Palmeira dos Índios entra nos romances dos escritores palmeirenses Luis B. Torres, Adalberon Cavalcante Lins, Graciliano Ramos e do santanense Clerisvaldo B. Chagas. A estação, merecidamente transforma-se em Biblioteca Pública. Imagens de pessoas ilustres ocupam as paredes em forma de desenhos e... Quem sabe, se as estantes da casa de cultura não guardam boas histórias do trem de Palmeira dos índios!
          Trazemos o sonho de volta ao cuscuz, ao viaduto da via férrea, onde que manda agora são as voltas e os chiados dos pneus.
          Quem engolirá as vans?
          Diz o sertanejo: Para frente é que se anda.











O CRIME DO CIPÓ Clerisvaldo B. Chagas, 6 de agosto de 2019 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.157 SERROTE DO CRU...

O CRIME DO CIPÓ

O CRIME DO CIPÓ
Clerisvaldo B. Chagas, 6 de agosto de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.157

SERROTE DO CRUZEIRO (FOTO: B. CHAGAS).
          Com a expansão da cidade, alguns sítios de periferia vão sendo engolidos. Uns permanecem com o nome de origem, outros ganham apelidos nessa realidade. Em Santana do Ipanema começou a urbanizar-se o sítio Cipó. Terras por trás do serrote Gonçalinho (Micro-ondas), o Cipó já teve sua tragédia que até pouco tempo era marcado por uma santa-cruz. Cipó é o nome genérico de todas as plantas e hastes finas e flexíveis que servem para atar; plantas trepadeiras que pendem das árvores; embira. Cipó vem do Tupi guarani (Ici’pó) fila-fileira. O casario que se forma por trás do atual Posto Lemos em direção ao sítio Curral do Meio fez a retirada da santa-cruz que marcava o Cipó. O episódio foi narrado pelo escritor santanense Oscar Silva no seu livro de crônicas “Fruta de Palma”.
          No início dos anos trinta, a região sertaneja sofreu anos seguidos de seca braba. Começou a haver, então, roubos de bodes, na periferia santanense. A pobreza passava fome, mas foi notado que os filhos pequenos do senhor Laurindo, ou coisa parecida, estavam sempre gordinhos. Designado para resolver os problemas de roubo, o soldado Zé Contente e um comparsa, desconfiaram de Laurindo. Prenderam-no e o acusaram de roubo de bode. Mesmo sob protestos de inocência, o cidadão foi preso, amarrado e torturado. O sádico policial Zé Contente, furou o bucho do mulato, mas só encontrou alastrado. Laurindo passava o dia pelo serrote colhendo alastrado para alimentar a filharada. Foi vítima do maníaco e uma cruz na estrada ficou conhecida como a Cruz do Cipó.
          Felizmente o episódio foi resgatado pelo escritor da época. Este assunto já foi apresentado certa vez, mas com a ameaça urbana em deglutir o sítio, retornamos ao tema para que não fique no esquecimento o pequeno ramo da História Municipal. Vale salientar que nem sempre um livro de história conta todos os fatos. Crônicas, novelas, romances, poesias e outras publicações sempre contêm em algum lugar, testemunhos complementares dos escritos oficiais. Em breve, outros sítios periféricos estarão nas mesmas condições do sítio Cipó.
          Será que irão aparecer abnegados pesquisadores?
          Deus é o Senhor dos tempos.



BARBAS, BARBEIROS E CANGAÇO Clerisvaldo B. Chagas, 4 de agosto de 2019 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.156 (FO...

BARBAS, BARBEIROS E CANGAÇO


BARBAS, BARBEIROS E CANGAÇO
Clerisvaldo B. Chagas, 4 de agosto de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.156

(FOTO: B. CHAGAS).
          E eu vou novamente para Seu Atalaia. Barbeiro às antigas, calado igual a caburé. Foge à regra da maioria animada que ouve tudo, sabe de tudo e conta tudo. Mas Seu Atalaia é homem sério e sisudo. É dá um bom-dia, cortar, pagar e se despedir sem levar fofocas para casa. Após minhas perguntas sobre suas origens, mal respondeu que era de Atalaia, cidade da Zona da Mata alagoana. Passei a chamá-lo, então, claro, com meus botões, de Seu Atalaia. Ali você vê televisão sem graça, jornal do dia e revistas velhas. Caso esteja fazendo calor, tem direito a um arzinho de quebra.
          Com novos cursos de barbeiros, a rapaziada não coloca mais na fachada do estabelecimento o nome Barbearia. É Salão ou Cabeleireiro. Em Santana do Ipanema têm alguns dessa geração: O Fela, o Joinha, o Carinhoso... São alguns deles. Nem todos concordam em trabalhar com barba: “dói o espinhaço, precisa melhor equipamento, o cabelo é mais vantajoso em três por um...”. Será o fim do barbeiro tradicional? Nem ouso indagar a Seu Atalaia. Talvez ele me respondesse apenas com um sorriso. “Mestre, corte normal, nada de babados”. “Perfeitamente”, sinto a resposta interior do Fígaro, embora não seja de Sevilla.
          Barbeiro, profissão de homem manso, mas por ela passou o Moreno – barbeiro em Santana do Ipanema – à condição de chefe de subgrupo de Lampião. Sujeito franzino, sem oportunidades na polícia, de modo contrário realizou o sonho de ser elemento de guerra. Trocou a navalha Solingen por fuzil e cartucheira. Tornou-se matador de gente.
       Como barbeiro, foi surpreendido e preso Gato Bravo, ex-cangaceiro santanense disfarçado. Ê... Essa história que todo barbeiro é manso, não tem muito fundamento. Alinhavando as ideias sob a bata negra de cliente, vejo o término do trabalho.
          Saio do salão sem as fofocas do dia, mas satisfeito com a destreza do homem e o corte costumeiro.
          Profissional gente boa, ótimo prestador de serviço.
          Aplausos aos bar beiros na pessoa do Mestre Atalaia.
          Não custa nada.