É SERVIDO? Clerisvaldo B. Chagas, 24 de março de 2022 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2678   O serviço de ordenha no ...

 

É SERVIDO?

Clerisvaldo B. Chagas, 24 de março de 2022

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2678


 

O serviço de ordenha no Sertão ainda obedece ao ritual dos nossos antepassados, de modo geral. Algumas fazendas se modernizaram, porém, o pequeno produtor continua no antigo sacrifício e romantismo repaginando. O empregado, vaqueiro, morador ou o próprio dono da fazenda, levanta-se ainda com o escuro para se dirigir ao curral. Caso seja tempo de chuvas, o sacrifício dobra dentro do lamaçal com esterco. Seu equipamento é um banquinho ou tamborete, um pedaço de corda, um balde curto e um balde grande. Amarra as patas traseiras da rês, puxa nas tetas com técnica, enche o balde curto e vai despejando no balde maior. Quase sempre fica à frente das patas traseiras. A corda evita surpresas e a posição também, embora já tenhamos visto mulheres estrangeiras ordenhando por trás da vaca.

O chamado tirador de leite profissional, tem que ser bom na munheca para dá conta de dezenas de vacas. É um empregado diferenciado e que sabe todos os truques da vaca em lactação. Outra coisa que sabemos é que tudo é leite das vacas que comem no mesmo pasto, usam da mesma ração, bebem da mesma água, mas algumas têm o leite muito mais saboroso dos que as suas parceiras de cercado. Esse tema faz lembrar uma página do livro “Lampião em Alagoas”, quando numa certa manhã, já no claro do dia, passa o bando de Corisco e Dadá e vê minha tia Doroteia, ordenhando, sentada no banquinho e saia rodada. O chefe do bando passa direto sem mexer com ninguém, aponta para Doroteia e diz: “Veja ali aquela dona, parece uma princesa!”.

Quando íamos ao curral de ordenha, levávamos sempre os nossos copos para a bebericagem do leite quentinho do peito da vaca. Uma delícia e que nada acontecia aos outros, mas a mim a diarreia era certeira após alguns poucos minutos. Mas é muito bom quando o vaqueiro diz: “Vou arranjar o leite mais saboroso de todos para você”, aponta com o dedo e diz o nome da vaca. E para quem é da capital e pensa que leite verdadeiro vem da caixinha, precisa visitar um curral de gado bem sertanejo na hora da ordenha. Faça como nós. Veja o leite espumante, quentinho na hora...

Você também pode levar um tamborete e aguardar a sua vez, sentado.

Hummm!... Uma delícia!...

É servido?

FAZENDA (FOTO: PINTEREST)

 

 

 

  COMENDO MOCÓ Clerisvaldo b. Chagas, 23 de março de 2022 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.677 Temos constantes inform...

 

COMENDO MOCÓ

Clerisvaldo b. Chagas, 23 de março de 2022

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.677



Temos constantes informações na Internet sobre gente na fila do osso ou assaltando carro do lixo em busca de comida. Vemos também previsões para saques nos mercados ainda para este ano de 2022. Isso faz lembrar a seca de 1970, em Alagoas, quando a salvação dos humildes foi carne de preá e de mocó. Não se falava em meio ambiente, falava-se de fome braba que assolava o sertanejo nordestino. Assim como Deus mandou chuvas de maná para o deserto, aqui em Alagoas, surgiu uma praga de preás no campo, atacando principalmente a palma forrageira, alimento do gado. Começou, então, a chegar às feiras, ao mercado de carne, preás em balaios e sacos cheios.  Foi a salvação do sertanejo alagoano em busca de proteína. A praga de roedores matou a fome dos humildes. Aconteceu também em Pernambuco, porém, lá a praga foi combatida com veneno.

O preá e o mocó são roedores da família Cavidae. A diferença aparente é que o preá é cinza. O mocó tem a pelagem com manchas coloridas e é maior. Quem nunca viu um mocó, veja uma cobaia. O primeiro é muito comum em nosso Sertão. Está nos aceiros, na macambira, nos lajeiros, na estrada, nas roças de palma. O mocó não se encontra em todos os lugares. Gosta de terrenos abertos e habitar em pedregulhos. Ambos se alimentam de capim verde, raízes, brotos, frutos, casca de pau, gravetos... Não temos coelhos, lebres... Somente preá e mocó. Deve ser por causa da fiscalização que não encontramos mais na feira, esses animais. Mas nos sítios, para a própria refeição ninguém consegue impedir. Caso encomende, não é difícil conseguir às escondidas.

O preá e o mocó estão na parte de baixo da cadeia alimentar. O que mais possuem são predadores como cobras, gaviões carcarás e o próprio homem. Já encontramos aguardente de marca Mocó e   tipo de algodão nordestino da mesma marca. Muita gente tem aversão a esses cavídeos por eles se parecem com uma ratazana sem rabo. O sabor vai depender do modo de preparo. De qualquer maneira ambos estão protegidos por lei.

Sem preá, sem mocó, o Sertão fica sem graça.

Proteja a Natureza.

MOCÓS EM CIMA DE PEDRA (FOTO: JORGE SANTANA)

 

  REVENDO O CAMPO Clerisvaldo B. Chagas, 21 de março de 2022 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.676   Os barreiros repre...

 

REVENDO O CAMPO

Clerisvaldo B. Chagas, 21 de março de 2022

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.676


 

Os barreiros representam a forma mais comum de se armazenar água nas propriedades rurais, sertanejas. É certo que existe o açude, também chamado barragem, porém, os custos particulares com um barreiro são muito menores. Ai da pequena propriedade que não possui um barreiro! Eles são formados em lugares onde existem uma excelente bacia que possa facilitar a captação d’água da chuva, até às condições financeiras do ruralista.  Pode ser feito com pequenas escavações usando-se ferramentas simples e manuais, até respeitáveis tamanhos com uso de máquinas como tratores. Nos intervalos das chuvaradas, são limpos e desassoreado para renovar as águas. Seu uso vai para matar a sede dos humanos, do criatório, do gasto da casa e para lavar roupa. Geralmente as mulheres conservam uma ou mais pedras chatas e cuias de cabaças na beira do barreiro para a lavagem de roupa.

O barreiro não aguenta uma estiagem longa. Mesmo assim, terá cumprido o seu papel depois de cheio. Hoje em dia, os governos municipais ajudam na limpeza periódica, contribuindo na tradição da armazenagem. Ilustramos abaixo com um barreiro seco na Reserva Tocaia, em Santana do Ipanema. Suas águas e a das imediações formam o riacho Salgadinho de pequeno percurso até despejar no rio Ipanema. Parece insignificante, mas já deu muito trabalho e interditou a estrada. É o riacho Salgadinho que divide os bairros da Floresta e Domingos Acácio. Aperreou tanto que ganhou uma ponte em uma das administrações do prefeito Adeildo Nepomuceno e que foi alargada pelo gestor Isnaldo Bulhões. Sua foz encontra-se no famoso Poço do Juá, a maior largura do Ipanema em trecho urbano.

Não confundir o bravo riacho Salgadinho, também chamado Joel Marques, com o riacho Salobinho. Ambas as denominações indicam água salgada, porém, o Salobinho nasce nas imediações do povoado Alto do Tamanduá, cruza a BR-316, banha o sítio rural Salobinho e despeja ao lado do antigo matadouro municipal, um tranquilo afluente do rio Ipanema. O barreiro tanto pode formar nascente de riacho quanto pode ser abastecido por ele. Algumas residências já dispõem de filtro de barro no uso da água do barreiro. É esse o Sertão que eu conheço.

BARREIRO SECO AGUARDANDO LIMPEZA E ÁGUA CORRENTE. RESERVA TOCAIA. (FOTO: B. CHAGAS).