O
PÉ DO MENINO JESUS
Clerisvaldo
B. Chagas, 23 de março de 2021
Escritor
Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica:
2.495
Santana do Ipanema
expandiu-se em todos os pontos cardeais, após quebra das amarras dos
fazendeiros periféricos. Cada vez mais surgem loteamentos em lugares que você
nunca sonhava antes. Mas a população não invade a Reserva Tocaia e nem sobem o
serrote do Cruzeiro, pulmões verdes da Rainha do Sertão. Do centro da cidade dá
para ver muito bem o serrote e uma estrada solitária na capoeira, que segue até
o cume. Muitas vezes a mata de segunda está completamente seca e sujeita a
incêndio, mas quando chove em Santana do Ipanema e região, aquele pedaço de
caatinga é o primeiro a sinalizar a milagrosa mudança do tempo para melhor na
zona rural. As primeiras chuvas caídas no final de ano, criam não somente uma
árvore de Natal, mas sim, a mata completa nos matizes do verdume em louvação ao
Senhor dos Mundos.
O serrote do Cruzeiro,
para os mais antigos santanenses continua sendo o mirante natural que oferta
maior beleza, simpatia e religiosidade nos ares do seu entorno. As visitas de
Semana Santa enchiam o lajeiro onde está situada a capela de Santa Terezinha.
Lembro-me muito bem das duas capelas anteriores e suas ruínas. Os adultos
dizendo a nós, crianças: “Este pequeno buraco na rocha é a rastro do menino
Jesus quando passou por aqui com os seus pais. Aquela outra marca do lajeiro, é
o rastro da pata do jumentinho que carregava o filho de Maria”. Aí todos nós
mediamos os nossos pés na marca deixada pelo menino santo. Lembro-me do saudoso
alfaiate Demerval pegando a mim e ao meu coleguinha, erguendo-nos pelas
costelas e nos colocando no altar em ruínas, dizendo com meiguice: “Vocês são
dois anjinhos”.
A deferência do senhor
Demerval Pontes num momento de tanta inspiração, fez-me sentir anjo pelo menos
essa vez na vida. Por coincidência, no futuro, fui professor do seu filho
Vitárcio, procurando orientar o filho de quem me chamou de anjinho aos pés do
altar. Esvaziada das incansáveis visitas, hoje, a capela de Santa Terezinha – solitária
no alto do serrote – parece convidar o povo santanense para conversar no monte
sagrado.
E no grande lajeiro do
topo do serrote, onde as águas das chuvas empoçam na depressão, para os urubus,
pegadas do jumentinho e dos pés do Menino Jesus continuam aguardando mais
crianças para o experimento na forma (ô) dos pés.
Saudades...!
AO FUNDO, SERROTE DO
CRUZEIRO E PARTE ALTA DA RESERVA TOCAIA. CENÁRIO VISTO DA BR-316, BAIRRO
CAMOXINGA (FOTO: B. CHAGAS).
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