terça-feira, 24 de junho de 2008

O CORONEL E A VERGONHA


O CORONEL E A VERGONHA
(Clerisvado B. Chagas-24.6.2008)

O Tenente José Lucena de Albuquerque Maranhão, da polícia alagoana, fazendo uma diligência para prender arruaceiros e assassinos no alto Sertão do seu estado, cercou a casa do velho José Ferreira. Houve tiroteio. Dali saiu morto o velho Ferreira, pai de Virgulino Ferreira da Silva, o futuro Lampião. Lucena só foi saber quem era José e que ele estava na casa, após o tiroteio. Virgulino ainda era cangaceiro manso. José foi sepultado no, então, povoado Santa Cruz do Deserto, pelo sargento Maurício. Lucena passara a ser o inimigo número 1 de Virgulino.
Muito mais a frente, Lucena chegou à cidade de Santana do Ipanema na condição de major, comandando um batalhão de polícia que ali seria sediado.  Os seus componentes haviam sido escolhidos a dedo pelo major, com a finalidade de combater o banditismo. Era o ano de 1936. Com o QG em Santana, as forças volantes do major, chefiadas por sargentos, tenentes e aspirantes, espalharam-se pelo Sertão. Em 1938, as forças de Lucena acabaram com o cangaço trucidando onze cangaceiros, entre os quais, Lampião e Maria Bonita.
Lucena angariou a simpatia do povo santanense fazendo dupla de prestígio com o Padre José Bulhões, até 1950. Chegando ao posto de coronel, José Lucena de Albuquerque Maranhão ainda foi prefeito de Santana, deputado estadual e prefeito de Maceió. (Foi ele quem construiu o mercado de carne e demoliu o cemitério velho do bairro Monumento). A principal via urbana da cidade passou a ser chamada até o presente de Avenida Coronel Lucena.
Contou-me um comerciante que há alguns anos uma pessoa de Sergipe havia sido convidada para ministrar uma palestra no Tênis Clube Santanense. Não recordamos o assunto. Por coincidência, o palestrante era família do Coronel Lucena que ficou muito entusiasmado com o convite. Afinal poderia ser muito bem recebido em Santana por causa da história do parente. Durante o início, eufórico, o palestrante dizia pertencer à família de Lucena, Luceninha... Silêncio na platéia. Nada de aplausos. Foi aí que o comerciante que narrou o fato, numa atitude pouco aconselhável, gritou para o palestrante que ninguém ali sabia quem era Lucena ou Luceninha. De imediato sumiu a terra nos pés do homem. A palidez arrebanhou o seu entusiasmo. Que vergonha passou o palestrante, o povo de Santana presente e os ossos do coronel!... Simplesmente a juventude não sabia da sua história, nem sequer uma linha sobre a avenida principal da cidade
Triste de um povo sem história, sem memória, sem ânimo e sem motivação. Povo fruto de uma escola que não transmite seus valores; professor sem compromisso com a história, com a literatura local, com o sangue literário que é e que se foi. Povo sem memória, sem história, sem crédito, sem miolo. Ignorância sobre o torrão natal é um mal que ataca a maioria dos municípios brasileiros. E inúmeras escolas formam apenas párias sem orgulho, sem chama, sem raízes; fantasmas que não se sustentam nem diante de um soldado, quanto mais de um coronel.

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