COMO SE FAZ UM
ROMANCISTA (V)
Clerisvaldo
B. Chagas, 23 de novembro de 2018
Escritor Símbolo do
Sertão Alagoano
Crônica: 2.013
A bodega do meu tio
não tinha tudo. Minha atenção maior era na saída dos goles de cachaça, na venda
do gasóleo e do querosene. Nos dias de feira na vila (as segundas) o movimento
no Pedrão era intenso na ida e na vinda. Cavaleiros, carros de boi, jumentos,
burros e pessoas a pé. À tarde voltavam da feira, lotados, vencendo uma légua.
Bois puxando os carros, esticando cambão, mesas abarrotadas das mais diversas
mercadorias. Os cavaleiros pegavam corridas na rua plana do povoado e paravam
defronte à bodega. Bebiam cachaça, diziam prosas e cuspiam no chão.
Em Dia de Finados
surgia o padre Luís Cirilo e o sacristão Jaime, para missa no cemitério local,
que ficava depois da igreja, no caminho do Capim. Lembro ainda uma estrofe
cantada pelo povo e repetida pelo sacristão, da Ladainha dos Mortos:
“Abris os céus
Das almas tendes
compaixão...”
Assim eu ia
observando tudo, vendo como fazer, sem pensar jamais no futuro das letras.
Aprendi a fazer flauta de talo de abobreira; a descascar laranja com a unha
(imitando Zé Vieira); a comer melão-de-são-caetano, presos nas cercas de arame;
a sugar o néctar da pequena flor do espinheiro roseta; a conhecer e distinguir
o carrapicho, o velame, a urtiga, o rasga-beiço... E muitos rastros da fauna
sertaneja. Só não aprendi a cavalgar e dançar forró porque não me ensinaram.
Foi com essa bagagem
de infância que li o romance CURRAL NOVO do escritor palmeirense, Adalberon
Cavalcante Lins, (para mim o maior romance do mundo) que enveredei pelos
romances regionalistas nordestinos.
Sei não, mas penso
que é assim que se FAZ UM ROMANCISTA.
(FIM DA SÉRIE DE
CINCO CRÔNICAS)
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