LÁ VEM O VELHO FÉLIX (Clerisvaldo B. Chagas. 19.2.2010) (Blog do autor: http://clerisvaldobchagas.blogspot.com) Diga conosco: “Lá vem o...

LÁ VEM O VELHO FÉLIX

LÁ VEM O VELHO FÉLIX

(Clerisvaldo B. Chagas. 19.2.2010)
(Blog do autor: http://clerisvaldobchagas.blogspot.com)

Diga conosco:

“Lá vem o velho Félix
Com o fole velho nas costas
Tanto fede o velho Félix
Como o fole do velho Félix fede.

Esse fraseado todo se chama trava-língua. Essa linguagem curiosa sempre foi motivo de brincadeiras entre amigos. O trava-língua também foi muito usado entre os cantadores de pagode, emboladores e até por repentistas-violeiros. Ninguém acha fácil fazer uma leitura de trava-língua, quanto mais cantá-lo.
A política brasileira é interessante, tanto no todo quanto na forma regionalista, principalmente no Nordeste dos antigos coronéis. Até certo tempo atrás, na segunda metade do século XX, caso um prefeito não tivesse em sintonia com o governador, teria como certo um poderoso adversário para lhe fazer sombra e raiva. O chefe-político era essa figura que, por um lado, aliviava os seguidores da oposição, por outro, roubava completamente o prestígio do prefeito. Nesse caso havia quase sempre dois mandatários no município: o de fato e o de direito. Quando o eleitor não conseguia um favor com o chefe do executivo, recorria ao chefe-político que apelava para o governador.
Mas existe outra coisa também interessante na política. Quem entra fica deslumbrado com o poder, as mordomias, as facilidades e as bajulações. Não quer sair mais nunca da arte de governar. É como se tivesse ganhado um pedacinho do céu que, para defendê-lo, usa unhas, dentes, coices e mordidas. O leitor procura gente nova, jovens idealistas inteligentes e capazes, mas quando esses jovens aparecem, quase sempre é a continuação genética dos poderosos. A grande maioria não tem aptidão nenhuma de governar o povo. Mas o tronco velho insiste em colocar o rebento no mesmo ramo. Se puder, coloca também a empregada, o papagaio, o cachorro porque tudo significa dinheiro e poder. A próxima eleição, a próxima e a próxima, são os mesmos, os mesmos e os mesmos. O político brasileiro não procura servir ao seu povo, mas sim, servir-se do povo. Qualquer profissional como um médico, um professor um empresário, como exemplo, tira o seu tempo de mandato e não quer mais voltar à antiga profissão. Não já ocupou o cargo público? Por que não dá vez a outro? Não, o político de primeiro mandato começa a tratar a política como emprego permanente. Lembrando as eleições passadas, só os políticos profissionais tinham oportunidade. Homens e mulheres de outros segmentos debateram em vão os problemas do estado. Enquanto não houver rigorosas punições para os desvios de conduta, como nos países desenvolvidos, os velhos continuarão criando novas raízes igualmente às bananeiras. Você quer votar nas próximas eleições para governador, deputado, senador? Prepare-se para votar nos mesmos. Ô sina triste dos nordestinos. Pior de que a situação de Cuba: sem liberdade de escolha, mas sem corrupção. Pode ser até que um novato quebre o círculo. Você acha fácil? Então diga conosco: LÁ VEM O VELHO FÉLIX...






NA PELE DO TIGRE (Clerisvaldo B. Chagas. 18.2.2010) Para louvar a Deus durante o Carnaval, foi fundado há bastante tempo o retiro dos home...

NA PELE DO TIGRE

NA PELE DO TIGRE
(Clerisvaldo B. Chagas. 18.2.2010)

Para louvar a Deus durante o Carnaval, foi fundado há bastante tempo o retiro dos homens em Santana do Ipanema. Tendo à frente o bíblico da Paróquia de São Cristóvão, José Vieira (de saudosa memória) tornou-se realidade o objetivo de louvar ao Senhor, em local distante da influência carnavalesca. Assim foi escolhido o sítio Tigre, no Município de Maravilha, às margens da BR-316 e do riacho topônimo do sítio. Indo no sentido Santana─Paulo Afonso, o açude está localizado à direita da BR, ficando o acampamento no lado oposto. O riacho passa banhando o local, deixando um recanto com pedregulhos e árvores frondosas. Ali, o grupo do senhor José Vieira organizou o terreno que possui várias árvores naturais e outras plantadas. Foi construída capela, banheiro, coreto e outras dependências.
Durante a época da folia, os homens se cotizam e compram alimentos em grande quantidade. São levados para o lugar, cozinheiros e auxiliares, não faltando comida a qualquer hora do dia ou da noite. A animação é grande e entre rezas, brincadeiras e descansos, os objetivos são alcançados. Lá para trás ficam as cozinhas de alvenaria e ao ar livre. Na entrada fica a capela à disposição. No centro, o coreto de estudos, orações e debates. Ao lado, as árvores às margens do riacho Tigre. Existe uma ala onde se improvisam os barracos para armações de redes. Muitos se protegem do vento e da chuva naqueles abrigos, mas, quem quer, pode dormir em outro local isoladamente. São quatro dias agradabilíssimos, onde os cristãos católicos renovam suas energias e aperfeiçoam a parte espiritual. Às vezes afluem ao retiro centenas de homens (a maioria de Santana) vários vindos de outros municípios e até de Pernambuco com ônibus lotado. Comida farta, brincadeiras, pesquisas, debates, rituais... São encerrados com a vinda de um padre para confissões e missa. O retiro do Tigre tornou-se tradição do mundo católico de Santana do Ipanema.
Estivemos no retiro há alguns anos, infelizmente saindo antes do encerramento. Na época, comandavam o encontro os senhores José Vieira e José Nogueira, veteranos da Paróquia. Em geral, a pessoa que nunca foi ali, poderá ser convidada por qualquer um daqueles frequentadores. Mas desejando participar desse magnífico encontro no próximo ano, cremos, é procurar informações na Igreja Matriz de São Cristóvão. O saudoso José Vieira também foi um dos fundadores do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santana do Ipanema e teve participação ativa, junto a José Nogueira, na fundação do Centro Bíblico da Paróquia, além de ser compositor sacro dos movimentos bíblicos do Município. Vale à pena para quem não pula Carnaval, esse encontro tão gratificante que enche a alma de paz e alegria. Foi um dos melhores que participamos até o presente momento. É a ocasião exata de fugir da violência urbana e se refugiar por inteiro na PELE DO TIGRE.

CARNAVAL DO LOBISOMEM (Final) (Clerisvaldo B. Chagas. 17.2.2010) Quando Zé abriu os olhos, o povo passava para o baile do Tênis. Ele esfr...

CARNAVAL DO LOBISOMEM

CARNAVAL DO LOBISOMEM

(Final)
(Clerisvaldo B. Chagas. 17.2.2010)

Quando Zé abriu os olhos, o povo passava para o baile do Tênis. Ele esfregou os dedos maculados nas pálpebras morenas, espreguiçou-se e tentou localizar-se. A cachaça ainda lhe dava dores de cabeça. Girava um pouco. Teve acanhamento de estar caído ali com o povo passando. Ainda lhe ressoava o alarido forte do bloco. Parecia que aqueles sons esquisitos haviam penetrado para sempre no mais íntimo dos seus miolos. Rodavam ali dentro matando-o aos poucos! “O urso preto vem da arca de Noé...”
Levantou-se. Bateu o sujo das roupas e lembrou-se de muitas coisas... Das palavras de Zefinha... Tombou; aprumou-se. Desceu a rua fazendo esforços para caminhar firme. Descansou um pouco defronte a Rádiotécnica do Petrônio; ralou-se na casa de peças de Genísio e desceu firme em diagonal. Na porta do hotel do centro deu uma topada e disse um palavrão impublicável; tirou um fino no cartaz do cinema e quase foi atropelado defronte o “Paraíso da Criança; pisou num degrau da Igreja Matriz e foi sair na “Côda Boutique”; deslizou o braço no travessão do cine e tirou de um fôlego só até a ponte nova. Achava-se cansado quando chegou ao posto de Zé Carlos, mas prosseguiu atravessando lépido a ponte da Floresta. Desviou para a esquerda e pensou: “Dessa vez não vou chegar a casa madrugada como estou acostumado”. Olhou o relógio: onze horas. Era muito cedo também. Passou por baixo de uma cerca de arame e sentou-se num galpão de olaria. Remoeu um ódio surdo, uma frustração desesperadora.

“O urso preto
Vem da arca de Noé...
Todo mundo já dizia
Que esse urso não saía
Esse urso anda na rua
Com prazer e alegria...”

Colocou as mãos na cabeça e pela primeira vez na vida disse: “Meu Deus!” Os olhos queriam dormir, todavia, a cabeça pedia para permanecer acordado. “Urso, João, Lobisomem, Zefinha, Bela, Maria, Maria Bela... E como é... O urso... Quando deu doze horas, deixou o seu abrigo e dirigiu-se para casa. Não estava mais bêbado; não queria estar bêbado. Caminhava aprumado. Abriu a porta trêmulo como um trigal ao vento. Não viu Maria Bela. Não estava na sala; não estava no quarto; nem na cozinha; também não estava no quintal, mas o portão achava-se aberto.
─ Labisomem! Ói o labisomem! – gritaram os curiosos numa certa distância, no escuro.
Conceição voltou para dentro. Mexeu na gaveta do guarda-louça e achou um revólver que havia trocado certa vez por meio tabuleiro de doce. Examinou-o. Estava carregado. Seis balas, Taurus. Saiu pelo portão como um possesso. Acostumou os olhos ao escuro. Parou. Localizou alguns ruídos a uns trinta metros de distância. Agachou-se e saiu engatinhando; dedo no gatilho. Então, diante de si apareceu um vulto enorme (mais ou menos do tamanho de João Baía) não tinha forma definida. Era muito escuro. Pareceram-lhe duas sombras numa só. Zé Conceição, o vendedor de quebra-queixo, não teve dúvidas. Disparou todas as balas do tambor e ainda ficou apertando o gatilho várias vezes, como um autômato.

É quarta-feira de cinzas. Acabou-se o carnaval. Zefinha está muito triste. Zé Conceição abre os olhos cansados como se tivesse vivendo um sonho. É o dia que entra pelas grades da prisão. Não existe mais lobisomem... Não existe mais João Baía... Não existe mais Maria Bela... Agora, somente uma prolongada ressonância nos tímpanos de alguém:

“E como foi...
E como é...
O urso preto...
Vem da arca de Noé...”