O TREM Clerisvaldo B. Chagas, 9 de janeiro de 2013. Crônica Nº 943 Imagem (Wikipédia). Vamos hoje resgatando parte da crôni...

O TREM



O TREM
Clerisvaldo B. Chagas, 9 de janeiro de 2013.
Crônica Nº 943

Imagem (Wikipédia).
Vamos hoje resgatando parte da crônica do escritor santanense Oscar Silva, refletindo sobre o trem. (Fruta de Palma – 1990).
“Os camponeses do Brasil imaginam o trem de ferro ‘como um monstro imenso e aterrador, lançando fogo pelas narinas, impaciente de partir numa velocidade diante da qual o mais ágil cavalo se transforma numa tartaruga, soltando, de quando em vez, um tão terrível apito que basta, ele só, para arrepiar os cabelos do homem mais corajoso. É como a personificação das antigas lendas do boi-tatá, o imaginário senhor das florestas virgens’.”
“Fechei o livro e fiquei ruminando as palavras do escritor. Os camponeses imaginam o trem uma coisa espantosa, mas pensam nele e comentam-lhe a existência. Os meninos da minha geração, garotos santanenses do meu tempo pensavam no trem e procuravam imaginar como ele seria. Era bem possível que aquela grande velocidade que nos falavam tivesse a rapidez do relâmpago. E dizer que Honorato Avelino corria mais do que o trem! Que Honorato fazia a viagem de ida e volta ao Juazeiro, 200 léguas a pé, em dois dias, disso nós tínhamos quase certeza; mas, correr mais do que o trem, era muito duvidoso. O trem, quando partia, devia ser assim com a bala que deixa a boca de fuzil... Houve mesmo tempo em que um sanfoneiro, para ser bom, teria que saber tocar “A Partida do Trem”, e a variação dos sons do teclado fazia-nos o pensamento voar como a polca a regiões totalmente desconhecidas. Como seria mesmo o trem?...”
“(...) Toda a gente em Santana conhecia Caipira e todos gostavam de vê-lo apitar como o trem. Assíduo frequentador da venda do Sinhô Morais, ora encostado ao balcão, ora sentado em um caixão de querosene, ali o encontrávamos a pedir a quem chegasse:
─ Patrão, me dê doistões pra tomar pinga.
─ Ah, Caipira, só se você apitar como o trem!
Caipira enchia o tórax de vento, batia com os cotovelos no paletó, bufava na boca à maneira de resfolgar da locomotiva, corria a passos miudinhos calçada em fora e, quando voltava, vinha apitando com toda a força dos pulmões: Piit! Piit! Piripipipipipipipiit!”
Era o famigerado TREM.


O ALGODÃO DE ZÉ VIEIRA Clerisvaldo B. Chagas, 8 de janeiro de 2013. Crônica Nº 942 Algodão. (Wilkipédia). Lá no povoado Pe...

O ALGODÃO DE ZÉ VIEIRA



O ALGODÃO DE ZÉ VIEIRA
Clerisvaldo B. Chagas, 8 de janeiro de 2013.
Crônica Nº 942

Algodão. (Wilkipédia).
Lá no povoado Pedrão, o marido da minha tia Delídia mandava absoluto. Terras, gado, bodega, casa de farinha, exportador de cereais, algodão e mamona, Seu Manoel Anastácio, tinha casa boa e era quem hospedava os párocos da, então, vila de Olho d’Água das Flores ou da sede, Santana do Ipanema. Dizem que muito viajado, era uma das poucas pessoas da região que possuía rádio e usava relógio de pulso e ainda tinha autoridade de subdelegado. Contíguo à bodega, estava o depósito de algodão que, em época de safra ficava o monte pelas telhas. Entre os seus empregados, estava o roceiro Zé Vieira. Calça remendada, cigarro de palha, olhos miúdos, sorriso ingênuo nos lábios, Vieira era muito mais devagar de que paciente mesmo. Cada saco enorme de estopa era pendurado por cordas na linha de madeira do telhado, tendo uma roda de rígida borracha na boca. O saco ia sendo preenchido com o capulho e ficando suspenso pelas cordas, quando Zé Viera entrava pela boca de borracha e ficava pilando o algodão com os pés. Alguém ia entregando o produto e ele pilando, pilando e ficando cada vez mais alto. O ambiente recendia ao aroma particular do algodão e emitia apenas os rashes-rashes abafados dos pés de Zé Vieira pilando o Gossypium herbaceum. O homem só deixava a estopa, quando o produto estava bastante pilado, ocasião em que era costurada à boca do saco e conduzido à balança manual.
Vamos vivendo em nosso estado uma situação em que os funcionários públicos recebem seus minguados salários, onze dias depois dos trinta trabalhados. Médicos e professores continuam sob pressão da falta de perspectiva na vida profissional, manietados pela Justiça rápida contra movimentos grevistas. Alagoas assim vai virando uma Síria de desenganos para os funcionários públicos que têm as cordas vocais sob os alicates do Executivo e do Judicário. O vice-governador nem manda nem desmanda, procurando agradar a chefia usineira de botas afiadas. Nem plano de cargos para os que salvam vidas, nem para os que educam os filhos da terra. Precatórios para os pequenos, já morreu o burro e o dono do burro, quando o assunto está escondido na casa dos horrores, nunca mais botou a cabeça de fora.
Coitado de Alagoas, espremido, machucado, pilado com os pés, muito mais do que O ALGODÃO DE ZÉ VIEIRA.

FACHO DE MANDACARU Clerisvaldo B. Chagas, 7 de janeiro de 2013. Crônica Nº 941 Mandacaru. (Wikipédia). “Lá em Santana do Ipan...

FACHO DE MANDACARU



FACHO DE MANDACARU
Clerisvaldo B. Chagas, 7 de janeiro de 2013.
Crônica Nº 941
Mandacaru. (Wikipédia).
“Lá em Santana do Ipanema, a gente media o valor das pessoas pelos seus improvisos oratórios. Ainda me lembro que o bondoso vigário José Bulhões falava muito bem, mas não gostava de pregar todos os domingos, sobretudo depois que começou a usar óculos. O juiz de Direito, Dr. Manoel Xavier Acioli, não enjeitava parada, no Júri, no Tiro-de-Guerra e nas festas cívicas ou religiosas. E meu professor de Gramática no ‘Instituto Santo Tomás de Aquino’, o inteligente e lido Pedro Bulhões discursava até em francês, nos dias de carnaval, saudando ‘la ursa’ do italiano Cariolano Amaral, ou ‘les négresses de la côte’ do moleque Alcebíades”
O trecho acima do emérito escritor Tadeu Rocha, vai dando margens aqui e ali para excelente fonte de pesquisa sobre o movimento literário em Alagoas, em “Modernismo e Regionalismo”, editado em 1964. Figuras importantes desfilam pelo seu ensaio, Graciliano Ramos, Rachel de Queirós, Oscar Silva e vários outros intelectuais que se encontravam e viviam em Maceió. Mas Tadeu, escritor santanense, também pincela o interior do estado, com seus vultos destaques da época, na política e nos movimentos literários. Entre suas lembranças escritas com vigor e clareza, Rocha diz o seguinte na página 27: “Os próprios homens do campo ─ agricultores ou criadores ─ gostavam de deitar falação. Assim foi que na festa da Primeira Missa do Pe. João Batista Wanderley, no Poço das Trincheiras, um velho amigo matuto do Coronel Leopoldo, seu pai, usou da palavra, à força, num discurso rimado:

‘O cumpade Leopoldo
Que na hora da madrugada
Desce de escada abaixo,
Cumpade tome cuidado
Que eu te queimo com um facho...’

Aí, o coronel Leopoldo apelou: ‘Basta, compadre’. Mas o orador respondeu: ‘Basta não, cumpade!

Com um facho de mandacaru
Cumpade tome cuidado
Senão eu te queimo...’ “

E assim Tadeu Rocha também foi entrando no folclore regional da antiga vila do Poço, hoje cidade que leva o mesmo nome: Poço das Trincheiras. Muitas pessoas ilustres saíram desta cidade em áreas da Literatura, da política e da agropecuária. O falado coronel Leopoldo acima, já foi intendente em Santana do Ipanema.
Não sabemos como ainda são as festas de primeira missa no Poço das Trincheiras, mas é muito bom lembrar o caso acima e ficar em alerta nessas ocasiões. Quem sabe se não acontecerá à volta do FACHO DE MANDACARU.