segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

O ALGODÃO DE ZÉ VIEIRA



O ALGODÃO DE ZÉ VIEIRA
Clerisvaldo B. Chagas, 8 de janeiro de 2013.
Crônica Nº 942

Algodão. (Wilkipédia).
Lá no povoado Pedrão, o marido da minha tia Delídia mandava absoluto. Terras, gado, bodega, casa de farinha, exportador de cereais, algodão e mamona, Seu Manoel Anastácio, tinha casa boa e era quem hospedava os párocos da, então, vila de Olho d’Água das Flores ou da sede, Santana do Ipanema. Dizem que muito viajado, era uma das poucas pessoas da região que possuía rádio e usava relógio de pulso e ainda tinha autoridade de subdelegado. Contíguo à bodega, estava o depósito de algodão que, em época de safra ficava o monte pelas telhas. Entre os seus empregados, estava o roceiro Zé Vieira. Calça remendada, cigarro de palha, olhos miúdos, sorriso ingênuo nos lábios, Vieira era muito mais devagar de que paciente mesmo. Cada saco enorme de estopa era pendurado por cordas na linha de madeira do telhado, tendo uma roda de rígida borracha na boca. O saco ia sendo preenchido com o capulho e ficando suspenso pelas cordas, quando Zé Viera entrava pela boca de borracha e ficava pilando o algodão com os pés. Alguém ia entregando o produto e ele pilando, pilando e ficando cada vez mais alto. O ambiente recendia ao aroma particular do algodão e emitia apenas os rashes-rashes abafados dos pés de Zé Vieira pilando o Gossypium herbaceum. O homem só deixava a estopa, quando o produto estava bastante pilado, ocasião em que era costurada à boca do saco e conduzido à balança manual.
Vamos vivendo em nosso estado uma situação em que os funcionários públicos recebem seus minguados salários, onze dias depois dos trinta trabalhados. Médicos e professores continuam sob pressão da falta de perspectiva na vida profissional, manietados pela Justiça rápida contra movimentos grevistas. Alagoas assim vai virando uma Síria de desenganos para os funcionários públicos que têm as cordas vocais sob os alicates do Executivo e do Judicário. O vice-governador nem manda nem desmanda, procurando agradar a chefia usineira de botas afiadas. Nem plano de cargos para os que salvam vidas, nem para os que educam os filhos da terra. Precatórios para os pequenos, já morreu o burro e o dono do burro, quando o assunto está escondido na casa dos horrores, nunca mais botou a cabeça de fora.
Coitado de Alagoas, espremido, machucado, pilado com os pés, muito mais do que O ALGODÃO DE ZÉ VIEIRA.

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