COMO SE FAZ UM ROMANCISTA (II) Clerisvaldo B. Chagas, 20 de novembro de 2018 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2010 P...

COMO SE FAZ UM ROMANCISTA


COMO SE FAZ UM ROMANCISTA (II)
Clerisvaldo B. Chagas, 20 de novembro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2010
PILÃO: LUÍS GALDINO.

Parte Interna

Pela manhã, ia contemplar o enorme terreiro de trás, repleto de galinhas, pintos e perus. Participava do tititi, chamando as aves e semeando grãos de milho. Jogava também os grãos pelo gradeado de três chiqueiros onde viviam confinados os capões – animais castrados para engorda – servidos em ocasiões especiais. Pareciam perus de tão cevados. Mais tarde ia visitar o pilão de pedra em formato de rachadura onde mulheres lavavam roupa. Ficava a uns duzentos metros dos fundos da casa. Lá para as dez horas, começava a coletar os ovos das aves do terreiro, espalhados em ninhos por vários lugares, inclusive, dentro de casa. Essa atividade me dava muito prazer.
Passeava pelo oitão direito da casa, onde havia algumas bananeiras, e um coqueiro. Pelo oitão esquerdo, perambulava no amplo jardim aguado todas as manhãs pela minha tia. Entrava no vizinho prédio, em preto, que funcionara como vapor e fora queimado pela investida de Lampião. Pelo grande quintal, chegava até os fundos da casa/escolinha – única do povoado – de dona Expedita e seu esposo Barrinho. Às vezes encontrava ali o primo Paulo Chagas, que como eu, passava alguns dias na casa de Expedita. Era filho da minha tia Araci e José Pinto Oliveira, em Santana. Bom quando chegavam à preta Quitéria e sua genitora lá do sítio Gameleira. Passavam o dia. Ambas com pano amarrado à cabeça. Quitéria falava que só uma matraca! Ali castravam os pintos crescidos, lavavam roupa, engomavam e faziam o café com rapadura, batido num pilão de aroeira. O aroma ia longe, longe...
Quando chegava gente ilustre, igual aos padres, docinho para lá, docinho para cá... E o capão gigante no prato das figuras.
Andar pelos quartos arrumados e frequentar a dispensa estavam sempre na minha pauta.
Durante a noite, dormia assombrado com os morcegos que frequentavam o casarão.
Essa era a parte interna e o aprendizado para o futuro.
(CONTINUA).






                                                         

COMO SE FAZ UM ROMANCISTA (I) Clerisvaldo B. Chagas, 19 de novembro de 2018 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.009 ...

COMO SE FAZ UM ROMANCISTA


COMO SE FAZ UM ROMANCISTA (I)
Clerisvaldo B. Chagas, 19 de novembro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.009

Povoado Pedrão

 Idas e vindas e a paisagem geográfica do povoado Pedrão, me fez romancista do Ciclo do Cangaço. Dali nasceram “Ribeira do Panema”, “Defunto Perfumado”, “Deuses de Mandacaru”, “Fazenda Lajeado” e “Papo-Amarelo”. Povoado Pedrão pertencia à vila de Olho d’Água das Flores em que íamos a carro de boi com tolda de esteira, ou em garupa de cavalo.     
Quando em carro de boi, íamos pelo Bebedouro, sítio Jaqueira, e, mais em baixo, cruzava o rio Ipanema, seco, entrava pelas terras de Capim (Olivença) e saía no Pedrão, de Olho d’Água. Em carro de boi, ia com minha tia Delídia, que sempre estava a reclamar dos solavancos do carro. Quando o carreiro não era o branco Firmino, era o preto bem humorado Ulisses. Eu me deleitava com tudo que via e ouvia. Os bois eram chamados de Paraná, Ouro Branco (coice), Sombrante e Caçula (cambão).
Às vezes seguia na garupa do cavalo de quem eu chamava meu tio, Manoel Anastácio.
De qualquer maneira tínhamos que vencer quatro léguas (24 km) da minha cidade ao povoado Pedrão.
Ali o meu tio era o mandachuva. A melhor residência (casarão), muito gado, muitas terras, armazéns, bodega, casa de-farinha, pomar e muita autoridade sem ser autoritário.
O povoado, a igreja, o cemitério, a lagoa e o poeirão na única rua, cabeça para olho d’Água, cabeça para o Capim.
Nunca fui à pedra enorme que dá o nome ao povoado. Além de ficar afastada da rua, ninguém falava sobre ela.
A grande lagoa, quando secava, servia com o solo cinzento de pista para corridas de cavalo.
Os Terços e Ofícios eram rezados na bela igreja do lugar que possuía um cruzeiro de madeira, antes da calçada larga. Periodicamente chegava o padre da vila ou o padre Luís Cirilo Silva, de Santana, para celebrar casamentos, crismas e batizados coletivos. Hospedavam-se na casa da minha tia, onde descansavam em redes e preguiçosas. Cirilo chegava com seu sacristão Jaime, em cavalgaduras.
(CONTINUA).


   

A REVOLUÇÃO DO OVO Clerisvaldo B. Chagas, 16 de novembro de 2018 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2008 No lug...

A REVOLUÇÃO DO OVO


A REVOLUÇÃO DO OVO
Clerisvaldo B. Chagas, 16 de novembro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2008


No lugar onde moramos mal o Sol bota a cara de fora, passa o carro do mungunzá com aquele som horrível de circo do interior. Logo vem o churros. O pãozeiro faz alarido com sua corneta de mão e, em seguida, o leiteiro motorizado buzina que nem caminhão Mercedes. Rolinha branca pousa na rua, o jumento orneja na margem do Ipanema, gatos voltam das caçadas e o bem-te-vi canta feliz na cabeça do poste de luz. Mais tarde são os irritantes carros de som do Comércio que não deixam o cristão em paz. O respeito dos decibéis é engolido com farinha e nem a periferia escapa da falta de respeito às leis. Haja verba para atender os ávidos apelos comerciais.
Entre eles o carro do ovo é a grande e insistente novidade em todas as cidades de Alagoas, inclusive, na capital. Por coincidência, depois que foi anunciada a implantação de uma das maiores granjas na cidade lagunar de Santa Luzia do Norte, estar acontecendo à revolução do ovo. Passa o carro anunciando, 50 ovos por 10,00. No outro dia, 40 ovos, 30... E assim por diante. Estamos falando dos ovos brancos de granja. Em Santana do Ipanema, depois do projeto do governo para criação de galinha caipira, criou-se a Cooperativa e o agricultor tem produzido muito e aumentado a sua renda. Parece haver uma concorrência grande agora, entre ovos brancos e avermelhados.
E o nosso velho Brasil, alimentador do mundo, vai em Alagoas, matando a fome da baixa renda através da fartura abençoada das galinhas. E como houve a época do frango que alimentou a pobreza brasileira, agora é o ovo que o vendedor chama de ovo gigante. E alguns são mesmo grandes, mas não vale dizer que estão negociando ovo de ema, ave pernalta, das caatingas.
E fora o tal ovo de granja e o da galinha caipira, ainda tem o ovo de galinha de capoeira, aquele produzido nos terreiro das fazendas e no matagal dos arredores.
Viva! Viva a bendita REVOLUÇÃO DO OVO!