SERTÃO DAS FERRAMENTAS Clerisvaldo B. Chagas, 22 de julho de 2022 Escrito Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.738   Como o Bras...

 

SERTÃO DAS FERRAMENTAS

Clerisvaldo B. Chagas, 22 de julho de 2022

Escrito Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.738

 

Como o Brasil é cheio de gírias, temos visto aqui no Sertão o nojo pelo sujeito manhoso, enganador, “cabra peste” que está sendo chamado de “picareta”, principalmente o tipo de político que se encaixa acima. Mas, por que chamam o indivíduo de picareta que é apenas uma das ferramentas usadas nas construções e na Agricultura? Talvez seja porque a picareta tenha duas extremidades de uso que servem para cavar a terra e arrancar pedregulhos também. Uma extremidade é pontuda, a outra é chata para o uso conforme a necessidade. A gíria pegou pelo Brasil inteiro e a ferramenta da roça ganhou notoriedade negativa. Foi não foi, você se depara com um picareta na política, na repartição, na vizinhança... Nas ruas.

E como estamos falando em ferramentas, utilizamos ainda no campo a faca, o facão, a foice, o machado, a enxada, o enxadeco, o livião...  O cavador. Algumas dessas palavras o dicionário nem registra, ferramentas, algumas delas, variam de pronúncia conforme a região brasileira. Essas ferramentas que ainda possuem o valor do ouro em nossa agricultura sertaneja nordestina, chegavam ao Sertão alagoano transportadas para os nossos ancestrais, primeiramente em navios vindos de Salvador ou do Recife que entravam pela foz do rio São Francisco e subiam até Pão de Açúcar que era o grande porto da época. Ali, frotas de carros de boi (até 20 carros) e tropas de burros desciam de várias partes do Sertão para o desembarque dos navios e também a fim de transportarem essas ferramentas para outros núcleos sertanejos, mas também abasteciam os navios com nossos produtos: couro, peles, carne-de-sol, madeira e muito mais.

Estradas para a Capital ainda não havia e todo percurso era feito pelo mar e Rio São Francisco. Mas as ferramentas não deixaram de aparecer nos armazéns que vendiam de tudo: ferramentas, charque. Bacalhau, arame farpado, querosene, munições e muitas outras coisas. Nessa época não se chamava ninguém de picareta. O sujeito ruim, manhoso, não confiável, era tido como cabra-de-peia, cabra de aió, cabra safado...

E assim o Brasil continua com suas gírias, criando várias em uma só e continuadas gerações. E se você é agricultor, vai dizer:

Coitada da picareta!

PÃO DE AÇÚCAR (FOTO: ALAGOAS NA NET).

 

 

  USANDO O APRENDIDO Clerisvaldo B. Chagas, 20 de julho de 2022 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.737   Quando estudá...

 

USANDO O APRENDIDO

Clerisvaldo B. Chagas, 20 de julho de 2022

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.737

 


Quando estudávamos no Ginásio Santana, as provas eram ditadas pelo professor ou escritas por ele no quadro. Nós escrevíamos numa folha dupla pautada. Conforme o professor e a prova, podíamos usar totalmente a folha dupla ou não. O professor de Geografia, Alberto Nepomuceno Agra – ex-pracinha, fazendeiro, e dono de farmácia – costumava escrever no quadro apenas uma prova curta de cinco questões.  Ao entregarmos os testes, raramente usávamos a folha dupla. O professor cortava a folha ao meio e nos devolvia a outra banda não usada, dizendo mais ou menos assim: “Vamos aprender a economizar. Leve para casa essa parte em branco, você poderá precisar mais tarde”. Da mesma maneira procedia quando avistava um grampo de papel no chão. Extrapolava a Geografia, ensinando para a vida.

Comprávamos o papel de prova no centro comercial ou na bodega do senhor Oseas, bem pertinho do Ginásio e que também vendia “puxa” (doce pegajoso enrolado em forma de trança e macarrão). Era gostoso e ruim de mastigar. Enrolávamos a folha dupla em forma de canudo, passávamos um papel comum e mentalizávamos uma boa prova. Alguns espertos colocavam “filas” no meio das folhas e, vez em quando era surpreendido pelo professor.  O papel em forma de estêncil que facilitava a vida do aluno e do mestre só foi aparecer, se não estamos enganados, no Colégio Sagrada Família, atualmente extinto. Mas vamos voltar aos ensinamentos práticos de Alberto, meu Grande na Geografia e na vida.

Assim vamos ainda hoje, longe da sovinice, economizando grampo, papel, palavras ofensivas, orgulho, egoísmo, iras e invejas, esbanjando, porém, amor, caridade, fé, generosidade e setas indicativas do seguimento da existência. Vamos lembrando outros mestres que nos ajudaram a subir a montanha e falar do cimo para o resto do mundo. Vamos levar para o nosso futuro os tesouros acumulados na mente, no coração, no currículo terreno.

Ginásio Santana, escola de vida.

Professor, guia nas trevas com archote perene.

Gratidão: Sentimento impagável na condição humana.

GINÁSIO SANTANA EM 1963 (FOTO: B. CHAGAS/LIVRO 230)

  ABENÇOADO CACHIMBO Clerisvaldo B. Chagas, 18 de julho de 2022 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.736 Vez em quando a...

 

ABENÇOADO CACHIMBO

Clerisvaldo B. Chagas, 18 de julho de 2022

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.736




Vez em quando aflora em nós, lembranças que não podemos e outras que podemos contar. Foi o caso de lição de futuro e finalmente aprendida.  Em Santana do Ipanema, havia dois garotos que residiam no outro lado do rio (ainda não muito habitado). O local era de uma pobreza extrema chamado Cachimbo Eterno e que inclusive já foi motivo do porquê desse nome nesta página. Tempos de muita fome nas periferias da cidade. Muitos pedintes nas ruas, atrás de comida e de tudo. As duas crianças irmãs, sempre apareciam em nossa casa pedindo comida. Se havia almoço, eles almoçavam sobre a laje de uma cisterna subterrânea que tínhamos. Se ainda não tinha almoço, eles diziam na porta da rua: “Quarquer coisa serve...” Era comovente!

Os anos se passaram e fomos deixando a infância para trás, entrando na responsabilidade adulta da vida. Num piscar de olhos chegou essa tal de terceira idade a quem agradecemos intensamente ao nosso Soberano.  Uma daquelas crianças morreu, a outra foi se desenvolvendo e caiu no gosto de inúmeras pessoas da sociedade que foram ajeitando, lapidando aqui e ali o garoto.  Alguns chegaram ao ponto de – mais como gozação de que ajuda – lançá-lo candidato a vereador. Lógico que não deu em nada. Aquela figura baixinha e simpática, mas não de cabeça completamente no lugar, continuou na sociedade servindo a um e a outro. Aquela criança ainda vive, anda bem vestida e parece esbanjar saúde.

Feliz quem vai vivendo e aprendendo as lições do cotidiano que a vida oferece. É assim que vamos ficando mais rico em espiritualidade e sabedoria.

Pois, em momentos hesitosos com os supérfluos da vida, chegam rapidamente lições que aprendemos ainda naquela infância. E Quando queremos algo que poderia encher a nossa vaidade pessoal e fica difícil a meta desejada, lembramos da lição das crianças do Cachimbo Eterno. Vamos nos conformando com o naco menor que Jesus nos deu: “Quarqué coisa serve...”

Abençoado Cachimbo.

SENHORA DE 110 ANOS, FUMANTE DESDE OS 10. (CRÉDITO: CANAL DO SISAL).