O TERNO E A GRAVATA
Clerisvaldo B. Chagas, 10 de janeiro de 2012
Viveu em Santana do Ipanema, Alagoas, o cidadão José Ricardo. Morava em uma casa confortável, seis prédios à esquerda da residência de meus pais, à Rua Antonio Tavares. Apesar do acesso ao quintal ser muito alto e repleto de degraus, era divina a paisagem que se deslumbrava em direção ao rio Ipanema, tendo como pano de fundo os serrotes do Gonçalinho, Cruzeiro e a serra Aguda. Ricardo era um homem de bem, como ainda hoje é a sua respeitável família. Foi comerciante com excelente sorveteria no cruzamento da Rua Nova com a Avenida Coronel Lucena. Apesar de ser honesto e respeitado, o comerciante era introspectivo e duro, vivendo mergulhado no seu mundo austero e particular. De vez em quando este garoto passava pela esquina da sorveteria para se deliciar com os picolés do senhor José Ricardo. Levado pelas circunstâncias da época, eis que um dia o senhor José foi nomeado delegado civil daquela belíssima cidade sertaneja. A princípio, tudo normal, como acontecia com as indicações para o espinhoso cargo.
Não tenho certeza se era tempo de inverno, mas o poço dos Homens, o mais famoso do rio Ipanema, no trecho, estava altamente convidativo para os banhos prolongados e prazerosos por trás das casas comerciais. Algumas mulheres moradoras das imediações desciam como lavadeiras para a parte mais larga do poço. Assim, tudo indica que chegou uma queixa à delegacia sobre excesso de alguns banhistas. José Ricardo tomou logo atitude radical, enviando alguns soldados ao poço dos Homens, que falaram à semelhança do decreto do rei. Estava terminantemente proibido o banho de calção no rio Ipanema, primordialmente no Poço, pelas ordens inexoráveis do delegado civil José Ricardo. Abismados com aquela novidade na terra de Senhora Santa Ana, os jovens reagiram de forma humorística e também inusitada como a ordem do homem. Todos voltaram a casa, vestiram terno e gravata e, coletivamente, desceram para mergulhos a rigor nas águas barrentas do poço dos Homens.
Eu não estava no meio, mas lembro muito bem que o riso e os comentários espirituosos preencheram as ruas de Santana. Não se comentava outra coisa.
Os anos se passaram e eu fui observando as nuanças da vida. Acho que o leitor também. Não raras vezes estamos em nosso pleno direito, gozando a parte boa da existência, quando subitamente surgem no presente os antigos soldados de José Ricardo! Para não sermos surpreendidos apenas de calção, tenhamos sempre ao alcance os paladinos dos banhistas: O TERNO E A GRAVATA.
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