A
CORAGEM DE JOÃO PUÇÁ
Um conto
na esteira de caboclo
Clerisvaldo B.
Chagas, 26 de junho de 2014
“Crônica Nº 1.216”
Foto (Clerisvaldo). |
João Puçá não mais
suportava a pressão do coronel Cantídio Fula. Homem direito, trabalhador e
pobre, Puçá vivia quase escondido receoso das ameaças do coronel. Além de não
conseguir deixar a penúria, por falta mesmo de sorte, João meditava em como
escapar à pobreza desse mundo. Fora acusado de furto nas terras do coronel,
pelo próprio ladrão, jurara inocência, porém, Cantídio Fula, entre a verdade e
a dúvida, preferia ir jurando o trabalhador braçal.
Não podendo mais
continuar daquela maneira, João inspirou-se num sonho, resolveu deixar os
esconderijos e falar diretamente com o fazendeiro Cantídio. Fora enviado um
portador à fazenda do homem que dava às ordens em uma grande extensão de
terras. Voltou o estafeta dizendo a João Puçá: “O homem tá disposto a recebê-lo, João”.
João partiu para a
fazenda do poderoso senhor encontrando-o numa antiga cadeira de balanço,
rodeado por vinte enfarruscados capangas. Com poucas palavras, João chamou o
coronel para uma aposta. Cantídio Fula só faltou engolir o charuto com a
surpresa apresentada por João. “Mas o que
é mesmo que você estar me propondo, homem?!”.
E Puçá, resoluto
disse: “Hoje Brasil joga com a Argentina,
não é? Eu aposto num palpite, o Brasil ganha. O senhor aposta em dois palpites:
vitória da Argentina e o empate”.
O coronel, conhecido
matador de gente, arregalou os olhos diante daquela ousadia. Puçá continuou: “Se o Brasil ganhar o senhor me paga, isso
aqui”, e lhe mostrou a quantia escrita num papel e que não era tão alta
assim. Cantídio puxou uma tragada longa e, rodeado pela curiosidade dos
jagunços, indagou como ficaria se o Brasil perdesse ou empatasse.
“Eu deixarei de viver escondido, venho aqui para o senhor
me matar. Só peço que não me judie e mate de bala”.
O coronel Fula jamais
havia ouvido coisa semelhante e, ainda surpreso indagou: “E se o Brasil ganhar, você acha mesmo que eu lhe darei essa quantia? Veja
esses homens aí, tudo sedento de sangue...”.
João respondeu que
sim, “pois eu nunca ouvi dizer que o senhor
faltasse com a palavra e eu também, não”.
Um silêncio enorme
aguardava o sim ou não do coronel Cantídio Fula. Mais de dez minutos se
passaram como se não houvesse um só vivente por ali.
Por fim, o coronel
levantou-se, entrou em casa deixando a expectativa lá fora. Um cabra alto,
moreno e enfarruscado, chamado Marcello Fausto, aproximou-se de Puçá e cochichou: “Não dou destões por sua vida”.
Quando o coronel
retornou à varanda trazia uma chave na mão e foi dizendo a Puçá:
“Tome essa chave. É da fazenda Serrote Preto que das dez que eu possuo é
a melhor; está sem morador. Ela é sua com tudo que tem dentro e ainda hoje vou
providenciar a documentação. Não precisa fazer aposta. Um homem que tem uma
coragem desta veio enviando das coisas do outro mundo. Quando você tiver na sua
fazenda quem vai lhe chamar de coronel sou eu”.
E assim, até os
cordelistas enfeitaram o mundo com A CORAGEM DE JOÃO PUÇÁ.
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