RIO MACHO Clerisvaldo B. Chagas, 25 de junho de 2013 Crônica Nº 1041 A tarde continuava. Estávamos exaustos de caminhar em tantas...

RIO MACHO

RIO MACHO
Clerisvaldo B. Chagas, 25 de junho de 2013
Crônica Nº 1041

A tarde continuava. Estávamos exaustos de caminhar em tantas montanhas, pedras, areias e matos. Passava das duas da tarde. Não aparecia uma só casa... Nem gente.
Quando conseguimos descer de uma aba de serra para caminhar pelo rio, outra surpresa desagradável para os pés. Uma sucessão de pedras de cerca de dois metros de altura, em média, barrava quase toda a largura do Ipanema. Uma das pedras destacou-se: comprida, transversal ao rio, cilíndrica, picotada na largura como se fios d’água tivessem se cristalizado em toda a sua dimensão.. \pensávamos até que fossem as cachoeiras tão faladas por algumas pessoas de Santana, que diziam que as cachoeiras impediam a subida de peixes grandes do São Francisco para a nossa terra. Mas não era. Não havia como prosseguir de outra forma, então, tivemos que passar por sobre as pedras num sobe e desce sem fim. Subíamos nas pedras abraçados a elas, de joelhos, escalando; e descíamos em pé, de cócoras, arrastando o traseiro, de barriga... O diabo! Descobri um pilão com água límpida encoberto com pequenas folhas, muito comum nos lajeiros do Sertão. Estava com o cantil meio e tentei retirar água dali, mas logo desisti por que teria que arriar o malote e perderia tempo. Saí com água na boca da água que não bebi.
Ao vencer mais essa empreitada, veio um trecho de areia grossa. Eu pisava na água, pisava na areia e irritava os calos d’água. Mais adiante entramos por um braço de rio entre uma ilha e um barranco em forma de corredor alto, bonito, solitário como uma alameda deserta. Quando cheio aquilo deveria ser  bem profundo e perigoso. Encontramos um rapaz caçando. Pedimos informações e ele indicou uma vereda escondida cinquenta metros adiante.  Não foi fácil localizá-la dentro da caatinga, mas conseguimos. Era estreita e poeirenta, ajudava aos pés. Mas logo adiante voltamos à areia do Panema. Por aí andamos um bom bocado. Welington havia deixado o chapéu em algum ponto e felizmente não iria precisar mais dele por que o dia estava nublado e o céu começava a formar nuvens de chuva. Pendemos para a margem direita, agora, e avistamos meninos brincando no rio, perto de uma casa. Eles se aproximaram de nós e disseram que adiante ficavam as cachoeiras. Só havia passagem margeando algum tempo pelo sopé de outra montanha. Segui à frente e fiquei esperando os outros sob uma craibeira.
(...) O nosso novo rumo era delicado. Foi nesse ponto a visão mais fantástica de toda a viagem.

·         Extraído do livro “Ipanema um rio macho”, do mesmo autor, págs. 56-57.

FOGUETE DE LÁGRIMAS Clerisvaldo B. Chagas, 24 de junho de 2013 Crônica Nº 1040   Mais um São João é acrescentado a nossa existê...

FOGUETE DE LÁGRIMAS



FOGUETE DE LÁGRIMAS
Clerisvaldo B. Chagas, 24 de junho de 2013
Crônica Nº 1040
 
Mais um São João é acrescentado a nossa existência, neste Sertão velho sofrido, bonito e desejado. Pelo dia, uma volta pela cidade mostra uma decoração sonhadora do outrora. Tempos das autênticas quadrilhas, do forró vivo na base da sanfona italiana, do quentão, da fogueira de angico e das bombas que abalavam o mundo.  Mas, a seca bateu com cacete de fueiro nas costas queimadas do caboclo nordestino. O fole não roncou como devia porque a música eletrônica tomou conta do esforço das mãos, da garganta, do cochilo do sanfoneiro com lenço no pescoço. Bate-se o quadrante da cidade em busca de petiscos graúdos para logo mais à noite, porém, o milho verde, dono da festa se abusa debaixo do chão ou no mimetismo das lagartas. Mesmo assim chega de longe, da irrigação de Canindé, do Sergipe, um caminhão lotado de espigas. Logo, montes espalham-se nas ruas e o povo acode para mexer na raridade. É o ouro do São João que vai ajudando a inflar o bolso agoniado do sertanejo. A boa nova da chegada de “bonecas” na seca vai atraindo os sequiosos por canjica, pamonha, milho assado e cozinhado, coisas saborosas que a vovó capricha para os elogios.
E lá nas Arapiracas vamos quebrando a rotina do São João para o sepultamento do nosso concunhado, Nivaldo Paulino, ex-funcionário exemplar da antiga CEAL que prestara serviços em Santana do Ipanema e no Agreste. Nivaldo Paulino, natural de Viçosa, zona da Mata alagoana, amigo presente desde os nossos velhos tempos de namoro à Rua Delmiro Gouveia, em Santana. Chegando ao belo parque santo, familiares, amigos particulares e membros da Maçonaria local, nesse sábado, véspera de São João, para a natural e dorida despedida ao homem de bem. Dessa vez também quebramos à tradição desde o tempo de casado, da fogueira à porta homenageando o padroeiro tão querido e amado nos sertões. Mas os ouvidos abertos deixaram penetrar os sons que chegavam de todos os lugares dos arredores, da música de época com suas explosões acompanhantes.
Enquanto os sons misturados vão rasgando a madrugada, vamos trabalhando no “selo” comemorativo da História de Santana, para o ciclo fechado de 100 pessoas, que será lançado no próximo ano. Aguardemos as alvíssaras de bons invernos que por certo ainda virão. Afinal a vida também tem seus FOGUETES DE LÁGRIMAS.

DUVIDE! Clerisvaldo B. Chagas, 21 de junho de 2013. Crônica Nº 1039 Em torno de 1970, houve a fundação do quarto teatro de S...

DUVIDE!



DUVIDE!
Clerisvaldo B. Chagas, 21 de junho de 2013.
Crônica Nº 1039

Em torno de 1970, houve a fundação do quarto teatro de Santana do Ipanema. Um grupo de pessoas lideradas por mim e por Albertina Agra movimentou essa parte intelectual entre os alunos do Ginásio, criando a “Equipe XVI”, porque era o número de indivíduos componentes. O teatro recebeu o nome de “Teatro de Amadores Augusto Almeida” em homenagem a esse homem que viera do Recife para ensaiar o terceiro teatro do qual Albertina também fizera parte. Mandamos confeccionar camisetas que tinha como emblema um sol, representando a Cultura e o nome “Equipe Dezesseis” no centro. Conseguimos o auditório do Ginásio Santana que nessa época estava ocioso, e ali montamos o nosso palco. A cortina vermelha foi cedida por Albertina, trazida dos teatros anteriores. Para trabalhar com madeira, convidamos o senhor Antônio Darca, competente marceneiro, morador da Rua Nova, onde até hoje mora na mesma residência. O serviço de iluminação − jogo de luzes − inclusive da ribalta, foi executado com mão de obra pela gentileza da prefeitura. Mandamos fechar com ripas as altas janelas, acima da marquise e, eu mesmo pintei a madeira, em forma de tela. Alguns nomes dos componentes vêm à memória: Albertina, Clerisvaldo, Juarez (Bêinha) e seu cunhado Bernardino, Newton, Bartolomeu, Omir, Lupinha, e sua irmã, Leda Fausto, Socorro Chagas, Ana Chagas (irmã de Socorro), Maria Dionísio...
Lembro muito bem que na época a pessoa respeitada em eletricidade era um cidadão chamado Ariston, também especialista em instalações de antenas parabólicas. Por uma pequena falha, talvez excesso de confiança, chegou à cidade a notícia da morte de Ariston, em cidade vizinha, eletrocutado durante o seu perigoso serviço. Da prefeitura, então, chegou ao teatro o senhor Antônio Eletricista que morava na COHAB Velha e que residira por vários anos à Rua Professor Enéas. Baixinho, chapéu de massa de abas curtas, Seu Antônio trabalhava lentamente no quadro de luzes da ribalta. Isso era motivo para que perdêssemos a paciência com a lentidão do serviço complexo. Indagando, educadamente, a causa da demora, o eletricista, sem olhar para nós, olhos grudados no serviço, respondeu com a mesma velocidade com que trabalhava: “Energia é serpente. O homem que mais sabia morreu picado”, referindo-se ao finado Ariston.
Abandonamos o teatro, depois, por causa das exigências da ditadura contra as artes. Agora contemplamos o povo usufruindo dos direitos da democracia. A multidão nas ruas gritando contra a corrupção, faz lembrar as palavras traduzidas de Seu Antônio: “Povo é serpente, o político que mais sabia morreu estraçalhado”. DUVIDE!