CHAPÉU DE COURO
(Clerisvaldo B. Chagas. 20.4.2010)
PARA LUIZ ANTONIO “CAPIÁ” E SEUS FAMILIARES
Artefato para proteger a cabeça contra sol, chuva, frio, sereno e espinhos da caatinga. O chapéu de couro também ditou moda no Sertão. Para ser valorizado tem que ser bem feito, flexível, de couro de veado ou bode. Os vaqueiros usavam-no contra as cactáceas dos intrincados e pontas de paus que formam armadilhas na flora. Enfrentar o boi selvagem, o barbatão do casco grosso e chifres afiados exigiam perícia do caboclo perseguidor. Dentro das faveleiras, mandacarus, rasga-beiços, facheiros, unhas-de-gato e semelhantes perigosos, somente portando chapéu de couro com testeira e barbicacho. Chapéu de couro peça genuinamente nordestina que simbolizou o ciclo do gado nas conquistas sertanejas. Grutilhões assombrosos, chapadas deslumbrantes, vales ajardinados, tabuleiros infindáveis, sentiram as narinas dos cavalos crioulos e seus cavaleiros voadores.
Já os cangaceiros deram preferência ao chapéu, mas com abas grandes, enfeitado, quebrado na frente e atrás. Os tangedores de Alagoas preferiam o de abas médias com apenas a traseira levantada e presilhada. Os vaqueiros baianos e piauienses usavam-no com abas grandes amassadas e frente bicuda. Os pernambucanos inventaram, por último, o chapéu quase sem aba, mais desenhado, deixando-o quase como uma cuia. Ridículo no cabra de cabeça grande. Os aboiadores que gravam CDs aderiram à moda. Enfim, muito se poderia falar dessa peça que completa a vestimenta de couro do matuto.
Segundo o sargento Eduardo (In Memorian) que participou da empreitada de Angicos, o major Lucena tinha ojeriza a homem de chapéu de couro. Antes de chegar ao Sertão com sua polícia escolhida a dedo, esse bravo comandante reuniu a tropa e ordenou mais ou menos por aqui assim: “Daqui em diante, todo cabra encontrado com chapéu de couro entra na madeira”. Foi aí ─ ainda segundo o sargento reformado ─ que alguém interferiu. Não se podiam aplicar surras em todo homem de chapéu de couro porque nem todos eram coiteiros de Lampião. Usar esse tipo de chapéu era costume arraigado da terra. O major ouviu com atenção, acedeu e marchou para Santana do Ipanema, onde instalou seu batalhão de caçar cangaceiros em 1936.
Não faz muito tempo, avistei um cidadão baixinho de barba grande pontuda e chapéu de couro. Pensei indiscreto: Será um profeta dessas novas religiões? Quem sabe, um ermitão das grotas sertanejas! Talvez um divulgador de produtos veterinários ou um simples matador de gente!? Não senhor, não se tratava de nada disso. Ao me aproximar reconheci o ex-bancário Luiz Antonio de Farias, filho de tradicional e decente família de Santana. Agora os amigos tratam o ex-bancário pelo carinhoso apelido de “Capiá”. “Capiá” não se enquadra em nenhum tipo citado acima, mas com certeza representa a continuação em pessoa do ciclo do couro, seu novo visual. Chapéu tradição na cabeça e caneta pesada na web, Luiz vai brindando os internautas. Tenho muita satisfação em ler seus trabalhos cozinhados nas trempes do semi-árido. Sem perder a linha da gramática, encaixa aguardente no lugar de aguardente e, o progresso do mundo coloca debaixo do CHAPÉU DE COURO.
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