CARTAS QUEIMADAS
(Clerisvaldo B. Chagas, 18 de fevereiro de 2011).
De vez em quando volto a imaginar sobre meus maiores ícones dos últimos cem anos. Falando em termos locais, aquele que eu tanto admirava, desabou no meu conceito. Não soube ele investigar, separar, distinguir o remédio do arsênico. Quem mesmo vivido não é sensível para enxergar virtudes, não pode conservar uma amizade profundamente sincera. No âmbito de Brasil, tenho o padre Cícero Romão Batista como o homem do século vinte. E, lá fora, surgem Winston Churchill e Mahatma Gandhi, todavia, meus ícones de cabeça foi o Papa João Paulo II e são ainda Lech Walesa, Nelson Mandela e Mikhail Gorbachev.
Eu estava saudoso desse ídolo terreno Gorbachev e de sua bela e elegante mulher Raissa. Eis que Mikhail Gorbachev reaparece aos 79 anos em entrevista, nessa quarta-feira passada (16). Veio denunciando a Rússia atual do presidente Dmitri Medvedev e do ex-presidente e hoje primeiro-ministro Vladimir Vladmovich (Putin). Em longa entrevista ao jornal de oposição “Novaya Gazeta”, do qual é acionista, o velho e coerente Gorbachev não poupou críticas a Rússia dos nossos dias. Apontou o país como uma forma política de “imitação”, formada por uma elite depravada. Quase vinte anos depois da Perestroika ─ palavra que percorreu insistentemente o mundo ─ o último dirigente soviético diz que tem vergonha da Rússia. Ninguém melhor do que o próprio Mikhail para falar com propriedade do mais extenso país do planeta. Critica a anulação de eleições para governadores e a falta de liberdade de expressão nas televisões nacionais. Foi Gorbachev quem lançou a Perestroika que derrubou o sistema da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, lado esquerdo de um mundo bipolar.
Para quem pensa que a Rússia vive um mar de liberdade, estão aí às palavras de um homem a quem eu gostaria de abraçá-lo. O demolidor do comunismo, juntamente com o Papa João Paulo II e o sindicalista Lech Walesa, na Polônia. O velho líder fala também sobre sua mulher Raissa e o seu sofrimento (de Raissa) durante o golpe de 1991, motivo de piora da sua saúde. Raissa sofria de câncer quando piorou e veio a falecer em 1999. Ela teria sofrido um derrame e teve hemorragia nos dois olhos. Raissa havia queimado às cartas ─ cinquenta e duas ─ que seu amado havia escrito para ela durante a juventude. Assim ela fazia para proteger a vida privada de ambos contra intromissões estranhas, falou o corajoso Gorbachev, que pretende comemorar seus 80 anos festejando esse aniversário lá dentro de Moscou.
Para ser destaque positivo no mundo, não deixam de surgir provações, dores e sacrifícios que moldam as grandes almas dos predestinados às enormes façanhas. Gorbachev não teve direito nem a recordar um doce passado diante de velhas e amarelecidas cartas de amor. Como o homem que mudou a direção do mundo, nós às vezes somos assim. Ficamos momentaneamente amuados, tristonhos, infelizes, com se fôssemos apenas pequena montanha de papéis carbonizados. Não passamos de perfumosas, meigas, amarelas folhas, relicários de jacarandás em CARTAS QUEIMADAS.
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