MEU BEM-TE-VI
Clerisvaldo B. Chagas, 19 de outubro de 2011
Ontem à noite me deu uma saudade danada do Sertão. É aquele sangue maceioense de Helena Braga com o sertanejo de Manoel. O predomínio do sangue sertanejo rural falando mais alto, circulando pelos currais das fazendas, pelas histórias narradas, pela altivez do mandacaru. Ou será a saudade do cheiro das trovoadas na terra, o murmurar dos riachos, o feijão de corda com manteiga de garrafa! A dentada na rapadura, a pinga rápida para “espalhar o sangue”, o ramo da mulata rezadeira. Não sei, compadre, não sei. Não posso sair do Sertão sem suspirar pela terra em que nasci. Era noite e o bem-te-vi sabia disso. Ficou rondando e cantando nitidamente em torno do apartamento. Superou o irritante ruído do trânsito, dando um pouco de conforto às lembranças radicais. No outro dia, quinhentos metros adiante, ali estava o bem-te-vi. Nem sei se era o mesmo. Tenho certeza, porém, que era um bem-te-vi. Ele estava diante de nós, sobre o fio telefônico, não tinha engano. O mercado defronte tocava a música tão conhecida:
“Você não vale nada
Mas eu gosto de você...
Você não vale nada
Mas eu gosto de você”.
O bem-te-vi dançava que era um colosso. Equilibrava-se ao abrir parcialmente as asas, controlava as penas da cauda e assegurava o rítmo que alguns minutos foi a minha diversão. Se o leitor gosta de detalhes, nem me pergunte a que subespécie pertencia o bichinho. Sei dizer apenas que era um Pitangus sulphuratus, nome que vem do tupi-guarani e significa pitanga guassu, pitanga grande. Sei também que ele é encontrado do México a Argentina, que tem poder de adaptação e que faz o seu ninho de capim em copas bem fechadas e a entrada é pela lateral, diferente dos outros pássaros. Lá no meu Sertão, meu amigo, bem-te-vi bota gavião para correr. O gavião é o todo poderoso, é o rei dos ares, o predador temido e respeitado. Bem-te-vi não que nem saber! Gavião passou por perto, o amarelinho o ataca ferozmente. Ô bico venenoso! Para furar o peito do maior deve ser ligeiro. Voa gavião! Mas antes que o amigo conteste a dança do bem-te-vi, era o vento que soprava com certa velocidade, enquanto o tiranídeo tentava equilibrar-se no fio e a música coincidia com seus movimentos.
Ah! Como estamos precisando de tantos bem-te-vis no Sertão, no estado alagoano, no território brasileiro... Bem-te-vi bota gavião para correr. Bem-te-vi não teme os coroneis gaviões.
“Voce não vale nada
Mas eu gosto de você...”
Ajude-me a viver, Pitangus sulphuratus, MEU BEM-TE-VI.
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