INJÚRIA DOBRADA
Clerisvaldo B. Chagas, 2 de abril de 2012.
Acordei com respingos de chuva na biqueira. Abertura de Semana Santa sempre traz o diferente, muitas vezes simples e tão natural que a maioria dos mortais nem percebe. Há muitos meses sem chover em nossa terra, tem início o mês de abril com alguma esperança no céu. Ficamos, entretanto, sem entender essa mudança do tempo, uma vez que o nosso período chuvoso tem início em maio, tradicionalmente. Aguardamos as trovoadas a partir de novembro até o primeiro mês do ano seguinte, seguindo a tradição de que trovoada de janeiro tarda mais não falta. Mas esse ano faltou, meu amiguinho! Um calor medonho, um sol tangedor para a sombra, ótima venda de chapéu e protetor solar. E o céu, o céu azulzinho da silva, como se não tivesse nem aí, como se diz no Brasil. E as notícias sobre a seca vão saindo na mídia grande, mostrando o abandono em que vivem muitos dos nossos irmãos ainda em nosso território. Vamos perguntando a nós mesmos ─, pois não se tem a quem indagar ─ por que acontece isso, o desprezo, em pleno século XXI? Ali bem pertinho, em Sergipe, Poço Redondo mostra a vergonha da falta de estrutura da parte das autoridades. Vamos lembrando o escritor do cangaço, Alcino, quando fala da miséria daquela gente desprezada pelos governos da Era 30. O atanazar do cangaço onde não havia defesa, e as secas cruéis botando o homem do campo para correr do seu torrão.
Penetramos no terceiro milênio, contemplando cenas semelhantes de oitenta anos atrás. O povo sedento e humilhado, tentando colocar de pé os bovinos de suas propriedades esturricadas. Crianças, velhos, adultos, bebendo lama, vendo os urubus rondando, comendo raiz braba e tentando escapar com a roupa do couro. Quanto tempo teremos ainda que aguardar os fins de cenas dos Fabianos nordestinos? Início de Semana Santa. Boa pergunta para se fazer a Deus em cima e aos corruptos em baixo. Mas respingou em nossa terra na manhã de hoje. Talvez, gotas de esperanças para fortalecer a alma dos desesperados. Uma friezinha de humidade bateu às portas da Semana Sagrada. Os pardais adiaram o voo matutino. A enxada bateu forte na pedra esbranquiçada, anunciando as alvíssaras das cumeeiras. Puxam-se os terços nas mãos calosas, esticam-se os benditos nas gargantas sedentas.
Mais uma vez amanhecemos sem Internet, sem postar cedinho as coisas da madrugada. Assim como “eles” fazem, com o homem campesino, vamos também cruzando os braços aguardando os sinais da web... E do tempo. INJÚRIA DOBRADA.
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