domingo, 9 de dezembro de 2018

O REPENTE DA TROVOADA


 O REPENTE DA TROVOADA
Clerisvaldo B. Chagas, 10 de dezembro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
“Crônica”: 2.022

Bem-te-vi anuncia a trovoada
No galho mais fino d’aroeira
Gavião procura a quixabeira
Jararaca escapole da estrada
O macaco se coça na quebrada
O trovão inicia um tiroteio
O cachorro dispara sem um freio
O céu abre na base luz e risco
Um só golpe na força do corisco
Lasca a velha braúna bem no meio.

Quando vem trovoada na fazenda
Espanta marimbondo e mangangá
Se afunila o focinho do preá
O mocó dispensa sua agenda
Urubu não encontra mais merenda
Tanajura alça voo cai no chão
Dá um tempo o mergulho do carão
O muar na cancela é acuado
A raposa vacila no varjado
Perde o rastro as antenas do furão

 A bica amarrada não aguenta
Com o peso da chuva na latada
O gatão dispara na zoada
Um menino se engasga com pimenta
A onça se entoca e fica atenta
A criada escorrega no batente
Relampeia pra os lados do Nascente
O tempo escurece e vira grude
Quando poca as paredes do açude
Um sapão bem gordo vai à frente.

Bate a chuva na terra sobe o cheiro
Que até espinheiro bota flor
De abelha tem beijo e beija-flor
E os cachos mais brancos do pereiro
A jurema, a urtiga, o imbuzeiro
Catingueira, angico e mororó
Por ali canta o galo carijó
Avisando a quem tá de atalaia
Essa noite vai ter rabo-de-saia
O tempero mais forte do forró

Quando cai trovoada é um colosso
Na lagoa improvisa o cururu
Maricota faz doce de caju
O meu cão pega carne larga o osso
A mulher puxa a corda deixa o poço
Enxurrada faz rego na ladeira
Pertinho da porta da traseira
Depois de comer uma pamonha
A patroa faz riso sem-vergonha
Com seu velho pelado na biqueira

No sertão quando desce a enxurrada
Vai lambendo as barreiras dos caminhos
Uma rês se engancha nos espinhos
Tem goteira na telha revirada
O jumento dá popa na baixada
O vaqueiro se abriga no grotão
Cozinheira pita no cachimbão
A patroa risonha bate a saia
Mostra a ele a calcinha de cambraia
E os dois gemem na boca do pilão.

FIM


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